domingo, 17 de março de 2013

As "Escandalosas" da Central do Brasil



As Escandalosas podem ser consideradas “irmãs” cariocas das V8 da CPEF, que rodaram na EFCB e posteriormente RFFSA. Enquanto as máquinas paulistas se tornaram lendárias, suas contrapartes no Rio de Janeiro não tiveram um lugar tão marcante na história, justamente por estarem "no lugar errado". Não há muitos registros sobre as mesmas disponíveis, portanto usei como fonte de pesquisa o excelente livro E.F. Brasil: A Eletrificação das Ferrovias Brasileiras, de Antonio Augusto Gorni, cujo conteúdo pode ser acessado neste link: http://www.tsfr.org/~efbrazil/electrobras.html .

A Estrada de Ferro Central do Brasil, quando começou a eletrificação de suas linhas, firmou um acordo com a Metropolitan-Vickers, da Inglaterra, para esta ser a responsável pela instalação dos equipamentos e fabricação das locomotivas e trens-unidade (TUE). A contrário das outras ferrovias que eletrificaram suas linhas, ela deu prioridade para o transporte metropolitano, ficando o transporte de cargas por locomotivas elétricas em segundo plano. A lentidão na decisão pelo uso de energia elétrica para alimentar os trens se arrastou desde o início do século XX até os anos 30, quando a iminência da 2ª Guerra Mundial tornou os custos do carvão inviáveis. Porém, essa escolha tardia trouxe uma série de problemas na execução do projeto.

Curiosamente, os modelos vieram com engate europeu e freio a vácuo. Provavelmente vieram com as mesmas especificações dos trens da CPEF, e o engate automático foi adaptado já aqui, pois era o padrão na EFCB. O sistema de freio a vácuo era de uso também da CPEF, enquanto a Central usava freio a ar comprimido.


Um desses problema fora que as locomotivas previstas no projeto original acabaram substituídas por quinze unidades 2-C+C-2, com 3800 HP de potência nominal, numeradas de 2101 a 2115, cujo projeto era idêntico ao das máquinas V8 fornecidas para a Companhia Paulista de Estradas de Ferro em 1940.  A Central foi obrigada a aceitar esse mesmo modelo de locomotiva, em função das restrições impostas pelo War Production Board americano, que impedia o desenvolvimento de novos equipamentos caso houvesse algum mais recente que pudesse atender o mesmo objetivo. As máquinas foram produzidas entre 1947 e 1948 pela General Electric e Westinghouse.



O apelido dessas locomotivas na Central do Brasil era Escandalosa. De acordo com o folclore ferroviário, uma das justificativas para esse apelido seria o ruído intenso dos compressores dessa locomotiva, impossível de não ser notado; outra seria o acentuado balanço que apresentavam ao trafegar...
Porém, logo foi constatado um grande problema: a inadaptação delas ao perfil pesado do trecho da Serra do Mar entre Japeri e Barra do Piraí, justamente onde se julgava mais necessária a eletrificação. Criadas por encomenda da Companhia Paulista, cujas linhas tinham um perfil basicamente plano, essas máquinas simplesmente não tinham sido projetadas para trafegar em tais condições.


Seu baixo peso aderente de 123 toneladas para uma locomotiva que pesava 165 toneladas fazia com que elas, na prática, tivessem a mesma capacidade de duas pequenas locomotivas diesel ALCO RS-1, de 1000 HP, que podiam rebocar, cada uma, trens de 500 toneladas com facilidade. Foram feitas tentativas de se usar as Escandalosas para tracionar trens pesados de carvão com 1800 toneladas, mas a perícia exigida dos maquinistas era enorme. Qualquer vacilo no momento da partida fazia com que ocorresse patinação súbita e excessiva, típica da combinação de grande potência e baixo peso aderente (que ataca muito as locomotivas a vapor). Essa patinação sobreaquecia as rodas da locomotiva, descolando seus aros, que eram raiados, e colocava a locomotiva fora de serviço.



Após várias experiências infrutíferas realizadas ao longo de 1949 e 1950 chegou-se à constrangedora conclusão de que a tração de trens pesados no trecho da Serra do Mar deveria ser feito com locomotivas diesel-elétricas, deixando para as Escandalosas apenas os trens de passageiros e trens de carga leves. Há que se notar, contudo, que o desempenho dessas locomotivas elétricas nas linhas da Baixada Fluminense era muito bom, já que suas condições eram muito similares às linhas da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, dentro das especificações de seu projeto original.


Em 1970, duas delas foram transferidas à E. F. Santos a Jundiaí, e em 1982 dez locomotivas Escandalosas da antiga Central foram trocadas por onze locomotivas diesel-elétricas ALCO RSC-3 da antiga CP. Dessas dez Escandalosas oito foram recuperadas num programa de modernização que foi terminado em 1988. Isso garantiu sobrevida a essas unidades, que operaram nas antigas linhas da Companhia Paulista até a privatização da FEPASA e o fim de sua eletrificação.

Escandalosa na Santos-Jundiaí, junto de uma Siemens, também ex-Central, e de um TUE Budd:



Escandalosa com a pintura da FEPASA, após programa de modernização:
 

Curiosidade: a RFFSA, planejando melhorar o transporte de passageiros em São Paulo, resolveu encomendar alguns TUEs da Budd-Mafersa. Uma vez que a situação dos serviços suburbanos estava muito precária na época, a entrada em operação desses equipamentos foi acelerada através de uma boa dose de improvisação. Uma vez que os carros-reboque chegaram antes dos carros-motor, decidiu-se tracioná-los usando-se locomotivas elétricas Escandalosas adaptadas, de forma que o maquinista podia controlar para a abertura automática das portas dos carros. Essas máquinas se diferenciam das outras por terem plugs ao lado das portas frontais, para o encaixe das tomadas de controle dos carros-reboque:



Mais algumas fotos das Escandalosas:



Assim como suas irmãs V8, elas também eram modelos em várias propagandas, como essa, da própria EFCB, passando ao lado do Maracanã :



...E esta também:

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