sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Sobre as estradas de ferro no século XIX - parte II

Trem da E. F. do Paraná. Bitola métrica, vagões de 2 eixos em estilo europeu, porém com uma locomotiva 2-6-0 americana.


Os anos finais do século XIX marcaram o que pode se chamar de "segunda fase" da implantação das estradas de ferro no Brasil, pois traz grandes mudanças em relação às ferrovias que se instalaram, pioneiras em solo nacional, cerca de duas décadas antes.

Como já referido, nesta segunda fase optou-se pela adoção de bitolas reduzidas, em condições técnicas bem modestas para diminuir custos, medida incentivada inclusive pelo governo com a chamada "lei de subvenção quilométrica". Também fora referido que o estilo do material rodante foi sendo gradualmente aproximado ao americano, em detrimento do europeu, devido a maior facilidade daquele se adaptar às condições técnicas mais precárias. Mas isto não significa que a presença européia no mercado ferroviário no Brasil tivesse desaparecido, pelo contrário, como podemos ver por exemplo a fortíssima presença de máquinas inglesas na Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, assim como na Leopoldina - sem contar, é claro, com a São Paulo Railway. Além de americanas e inglesas, há a presença de fabricantes franceses, belgas e alemães.

Locomotivas europeias ainda seriam adquiridas ao longo dos anos por diversas estradas de ferro, como esta, da Alemanha, mas deixariam de ser prioridade.


Mas o mais marcante nesta questão é o surgimento dos fabricantes de material rodante nacional. Ainda continuamos importando a quase totalidade de locomotivas ao longo das décadas seguintes, com apenas alguns pontuais experimentos próprios de certas oficinas, usando peças sobressalentes de locomotivas importadas, porém em questão de vagões, o Brasil aprendeu relativamente cedo a garantir seu espaço neste nicho. Infelizmente as peças de metal, como rodeiros e longarinas, ainda tinham de ser importados. Mesmo assim, já era um avanço.

Montagem de vagões numa oficina da Companhia Mogiana.


Assim como Pedro Carlos da Silva Telles afirma em seu livro, História da engenharia ferroviária no Brasil, havia na década de 80 do século XIX expressivo número de fabricantes cuja montagem de vagões sob encomenda seguia ritmo normal, como a Fábrica de Ponta da Areia, Officinas da Companhia Constructora, e a Empreza Edificadora; além das oficinas de Röhe Irmãos, que fabricava carruagens e posteriormente vagões; além das oficinas das próprias estradas de ferro, como a Mogiana, a Companhia Paulista e a D. Pedro II, que trabalhavam com grandes volumes.

Aspecto das oficinas da Leopoldina em Pôrto Nôvo, com diversos rodeiros organizados. 


A E. F. D. Pedro II, através de seu complexo de oficinas, e sendo a estrada de ferro mais importante do país, fora responsável pelo pioneirismo em diversos conceitos desde tal época, tanto no uso de vagões nacionais, como na experiência de fabricação de rodeiros (numa tentativa de diminuir a dependência de material estrangeiro),  no uso de carros dormitórios em trens noturnos,  na iluminação de carros de passageiros em geral, e na adoção do engate central automático e do freio a ar-comprimido. Coube também à mesma, através do engenheiro Ewbank Câmara, a adoção de semáforos como sinalização, em 1886, em mais um exemplo de pioneirismo daquela companhia.

Carro dormitório da Central do Brasil.

Sinalização próxima ao início do ramal de Santa Cruz que se inicia à esquerda, na curva. Em linha reta a estrada segue para a Serra do Mar.











quarta-feira, 18 de junho de 2014

Nota de Esclarecimento





O blog está parado. Iniciei uma série sobre o início das estradas de ferro no Brasil, mas não passei da primeira parte. Mas isto não significa que abandonei este espaço. 

De certo, há meses não escrevo nada, mas tenho um motivo, relacionado com o próprio tema: estou fazendo um levantamento historiográfico acerca dos trens de subúrbio do Rio de Janeiro, porém mais específico do que o que já escrevi aqui. Trata-se especificamente dos planos de eletrificação, e do processo de melhorias ocorridas durante as primeiras décadas do século XX.

A ideia do projeto é mostrar o que foi feito para resolver a terrível crise acumulada no período: demanda cada vez maior pelo transporte, saturação do tráfego, trens além do limite de vida útil, falta de combustível. Tudo isso de uma vez, gerando uma terrível dor de cabeça à administração da ferrovia. A volta por cima se deu através de medidas práticas, e até certo ponto criativas, para salvar a mais importante via de interligação nacional do período.

Conto com a compreensão de todos, pois é um trabalho extensivo, tenho prazos a cumprir, além de aulas para lecionar e assistir. Mas digo que sairá algo novo dentro de alguns dias.

Mais uma vez peço perdão pela demora.





segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Sobre as estradas de ferro do século XIX - parte I

A Estrada de Ferro Mauá se utilizava de uma bitola de 1,67 metros, a maior já utilizada no Brasil.

A despeito das primeiras estradas de ferro do país (Mauá, Recife - São Francisco, D. Pedro II e São Paulo Railway), projetadas em bitola larga, as posteriores tiveram preferência para gabaritos mais estreitos, com bitolas de valores próximos a 1 metro. Fora resultado de inúmeras discussões a respeito de como se daria a expansão desta tecnologia tão promissora e ao mesmo tempo tão pouco conhecida em terras brasileiras.

A E. F. Recife - São francisco foi a primeira a se utilizar da bitola de 1,60 m, que se tornaria o padrão para a bitola larga no Brasil até os dias de hoje. Mesmo assim, os altos gastos não foram compensados, e posteriormente ela fora rebitolada para 1 m.

Existiam defensores de projetos arrojados de expansão, como Christiano B. Ottoni, primeiro diretor da E. F. D. Pedro II e ferrenho estudioso da importância de uma rede unificada e integrando todo o Brasil. Por outro lado, a realidade enfrentada era de um país que desconhecia grande parte de seu próprio interior, e voltado principalmente para a exportação de produtos agrícolas, em especial o café. Na luta entre "larguistas" e "estreitistas", venceram os últimos pelo fato de que, para uma realidade econômica que sobrevivia a lombo de mulas, uma estrada de ferro mesmo que de dimensões mais modestas já era um notável avanço. Além do mais, as primeiras ferrovias provaram que os custos de uma bitola larga eram muito elevados, devido ao maior gasto de material para dormentes, lastro, pontes e aterros, cortes e túneis. Avançar interior adentro, em trechos montanhosos ou mesmo de terrenos muito irregulares, demandaria vultosos recursos, que talvez nunca fossem ressarcidos com os lucros provindos do transporte.

Ottoni estivera na direção da E. F. D. Pedro II desde sua formulação e por dez anos, e além disso fora o grande idealizador da integração nacional e do uso de bitola larga por esta poder transportar mais cargas. Infelizmente era um homem à frente de seu tempo, e enfrentou muita resistência por conta de suas ideias, que só passaram a ser de fato analisadas mais um século depois.

Por outro lado, bitolas estreitas, além da menor demanda de materiais, permitiam curvas mais fechadas, mesmo que isso na prática reduzisse a velocidade das composições. Mas ainda era melhor que mulas. O pouco volume a ser transportado também tornava desinteressante a continuação do uso de bitolas largas nas novas ferrovias, feitas por conta de interesses locais de grandes fazendeiros, que apenas queriam levar seus produtos aos portos. A falta de visão de longo prazo e de um espírito unificador foram sim responsáveis pelo surgimento das "ferrovias apertadas", porém, mais que isso, havia o problema real de que seria financeiramente muito arriscado galgar montes, vales e rios com enormes obras de arte apenas para buscar apenas alguns poucos vagões carregados.

Estação de Fama, aqui como um exemplo de linha de bitola métrica. Muitas vezes a pouca carga a ser transportava tornava a adoção deste tipo de bitola muito mais vantajoso.

Então, ficara definido que a bitola de 1 metro seria a mais ideal, utilizando-se a bitola larga de 1,60 m apenas na extensão da E. F. D. Pedro II, e na Companhia Paulista, que era uma espécie de extensão natural da São Paulo Railway. De fato, a primeira ferrovia a se utilizar de uma bitola estreita, a União Valenciana (no caso 1,10 m ) se mostrou extremamente econômica e em muito entusiasmou os interessados na abertura de novas estradas, tornando-se assim a regra a partir dos anos 70 do século XIX.

Muitas estradas de ferro de bitola métrica surgiram como ferrovias de interesse local, e se tornavam alimentadoras de outras maiores, principalmente as de bitola larga, onde o volume de cargas justificava financeiramente a bitola adotada, como é o caso da São Paulo Railway.

Durante esse período final do século XIX também houve grandes mudanças na escolha do material rodante a ser utilizado, preferindo o americano em detrimento do inglês, pois o primeiro se mostrara muito mais adequado às nossas ferrovias sinuosas e mal assentadas. A novidade americana de se utilizar um sistema de truques, ao invés dos eixos montados diretamente no estrado dos carros e vagões garantia muito mais estabilidade na inscrição das curvas. Nos carros de passageiros, a diferença estava na construção em apenas uma seção, e da presença do corredor central, ao invés de diversos compartimentos isolados entre si, acessados por várias portas laterais. Apenas a São Paulo Railway, de capital completamente inglês, se manteve essencialmente com as características britânicas de ferrovias, embora posteriormente tenha adotado material mais próximo ao americano.


Nos anos iniciais das estradas de ferro no Brasil, o material rodante era constituído principalmente de pequenas vagonetas de estilo britânico, onde o peso carregado não passava de 12 toneladas, tanto na bitola larga (acima) quanto na métrica (abaixo). 



A adoção de truques em muito aumentou a capacidade de carga que um vagão poderia transportar, como no caso esse vagão da Sorocabana, cuja lotação equivaleria a 2 vagonetas antigas cheias.










segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

As GE de exportação: U9, U12 e U13

Uma valente U13B fazendo o Expresso Cacique, entre o Rio e Vitória, imortalizado nessa fotografia de Bloomfield, responsável por diversas fotografias ferroviárias brasileiras em cores no período.

Corriam os anos 50, e gradativamente as máquinas a diesel, muito mais eficientes, flexíveis e rentáveis que as vapor, iam tomando o espaço dessas últimas no mundo. No Brasil não foi diferente, pelo contrário. As companhias viam com bons olhos essa novidade, e assim que podiam iam adquirindo as novas locomotivas. No mercado americano, duas gigantes despontavam: a EMD, da General Motors, com suas máquinas robustas e brutas empurradas por confiáveis motores dois tempos; e a General Electric, experiente com elétricas e motores de tração, mas que aos poucos se desvencilhava da ALCo. e entrava sozinha no mercado com seus próprios motores, baseados na tecnologia da Cooper-Bessemer.

U12B em Ubá - MG. 

Foto de 1958 mostrando a chegada de um lote de locomotivas G12. As principais concorrentes das U12 foram muito mais numerosas pelo mundo, chegando a ter em torno de 270 unidades apenas no Brasil. 

Os americanos viram logo o potencial de mercado dos países denominados "subdesenvolvidos", a maioria deles contando com características precárias de manutenção, tanto da via quanto dos próprios trens, e passaram a desenvolver projetos universais e capazes de abranger uma gama enorme de condições. Eram máquinas simples, sem apelo estético algum, nem equipamentos considerados além do básico para a operação. Eram adaptáveis a todas as bitolas que pudessem ser consideradas como de linhas comuns, ou seja, de 914mm até a enorme bitola de 1672mm, usada na Argentina, Chile e Índia, e considerada a maior bitola comercial ativa do mundo. A necessidade de incluí-las em bitolas tão estreitas, além do baixo custo, fez com que seguissem, além das características espartanas de funções, alguns outros padrões: eram pequenas, pois muitas ferrovias de baixo custo tinham gabaritos bastante restritivos; eram leves, pois trafegariam em linhas precárias; e de baixa potência, pois os trens em sua maioria seriam leves e lentos, além da impossibilidade de adaptar, na época, motores potentes em um corpo naquelas proporções. Para ter mais potência, bastava usar um recurso vantajoso em relação ao vapor: a tração múltipla, onde duas ou mais locomotivas poderiam ser conectadas entre si e comandadas por igual por apenas um maquinista.

U12B da Estrada de Ferro Sorocabana.

Receita de sucesso, as locomotivas de exportação foram um tremendo sucesso, e aqui no Brasil, onde a maioria das ferrovias encontrava as condições ideais para essas máquinas, foi o destino de milhares delas ao longo das décadas. A principal e mais famosa, sem dúvida foi a G12 da EMD e sua versão menos potente, a G8, responsáveis pela dieselização de inúmeras ferrovias, e trazidas às centenas. A GE, junto ao calcanhar de sua concorrente, projetou seu modelo similar: as U9 e U12.

U9B e U9C:

Foram fabricadas em 1957, para concorrer diretamente com a versão menso potente da EMD, a G8. Eram pouco mais potentes, tendo 1050HP, contra os 950HP de suas rivais, embora na prática isso pouco influenciasse. Assim com as G8, as U9B foram feitas em poucas unidades, sendo um total de 13 no Brasil: 3 para a RMV, e 10 para a Companhia Paulista, operando nesta em bitola larga de 1,60m. O único outro país que as utilizou foi o Chile, onde utilizavam truques de três eixos, as tornando U9C. Eram um total de 16 naquele país.

U9B da Companhia Paulista.


U12B e U12C:
Também fabricadas em 1957, teriam uma missão impossível: concorrer com as onipresentes G12, que conquistavam espaço em vários países ao redor do mundo. No Brasil, foram 3 as ferrovias que as adquiriram: a Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, com 20 unidades; a Estrada de Ferro Sorocabana, com 22 unidades; e a Estrada de Ferro Leopoldina, com 10 locomotivas. Comparadas às suas concorrentes, foram bem tímidas, pois além do Brasil apenas a África do Sul as utilizou, comprando um número pouco menor que aqui: 45 unidades. Sua versão "C", com truques de três eixos, foi mais bem sucedida, sendo vendidas para a Argentina - maior compradora, com 70 unidades - Chile, Colômbia e Filipinas. No Brasil a Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA) adquiriu 2 unidades para manobras internas, enquanto a Leopoldina adquiriu 18 unidades, que faziam os mesmos serviços de suas irmãs de truques de dois eixos.

U12B ainda nas cores da Sorocabana, mas já com a inscrição da Fepasa.

U13B e U13C:

Em 1959 sai do mercado as U12 e entra as U13. Esteticamente, são virtualmente iguais - assim como não há praticamente diferença em relação às U9 - mas eram um modelo mais atualizado, e contava com um motor um pouco mais potente: 1300HP disponíveis para tração, ao invés dos 1200HP das U12. A Rede de Viação Paraná-Santa Catarina adquiriu 10 exemplares do modelo U13B para operarem em suas linhas sinuosas, ao passo que na Leopoldina foram as mais numerosas de toda a série no Brasil reunidas em apenas uma companhia: 44 unidades. Fora do Brasil, as U13B só tiveram presença em Cuba. As U13C foram novamente mais populares no exterior, adquiridas pela Argentina - mais 70 unidades -, Chile, Colômbia, Paquistão e Gabão.


Acima e abaixo: Locomotivas U13C da RFFSA-Leopoldina.




Posteriormente, nos anos 70, todas as U12B e U13B da RVPSC foram realocadas na Leopoldina, enquanto que as 3 U9B da RVM foram para a Noroeste do Brasil. As máquinas paulistas foram absorvidas pela Fepasa. Atualmente todas as U9B foram baixadas, enquanto que as U12B em sua maioria ficaram sob tutela da Ferrovia Centro-Atlântica, atualmente VLI, e enviadas para operar em suas linhas no nordeste. Algumas U12C e U13B ficaram para os serviços de subúrbio do Rio de Janeiro, em suas linhas de bitola métrica. Não tão famosas quanto, e muito menos numerosas que as G12, as U12 e U13 ainda estão, como suas concorrentes, resistindo aos anos firmemente, mostrando que sua principal função foi e continua sendo cumprida e bem cumprida: prover as estradas de ferro de poucos recursos e manutenção com trens robustos e eficientes.

U12B da FCA na Bahia.


Acima e abaixo: duas representantes, com truques "B" (de dois eixos) e "C" (de três eixos) que operam nas linhas de bitola métrica da Supervia. Há outras delas. Recentemente foram enviadas para uma reforma geral, e receberam pintura nova. Ainda não há previsão de aposentadoria para elas.












quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Passeando com as elétricas mineiras

No trecho entre Barra Mansa e Passa Vinte. Subindo e serpenteando as montanhas, nota-se o aspecto da linha eletrificada, ornada com seus rústicos postes de eucalipto, a exemplo dos usados pela Companhia Paulista.

Quando nós ouvimos falar de locomotivas elétricas no Brasil, a primeira que vêm em nossas mentes, quase unanimemente, são as célebres "V8" da Companhia Paulista - Ou as Escandalosas, por serem do mesmo modelo -, com seu design charmoso e imponente. Indo mais a fundo, lembramos de outras máquinas da Paulista, ou das Lobas e Minissaias da Sorocabana, das Henschel cariocas, etc. Já falei de boa parte delas, por serem muito famosas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Agora, é a vez de falar das simpáticas, pitorescas e não menos importantes elétricas da Rêde Mineira de Viação.

Metropolitan-Vickers de 1928, em duplex, com vagões de transporte de gado.

As primeiras elétricas de Minas foram adquiridas pela E. F. Oeste de Minas, ferrovia famosa por seu trecho de "bitolinha" (em 76cm), mas que contou com uma longa rede em bitola métrica chegando até o porto de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Eram cinco máquinas, fabricadas pela Metropolitan-Vickers, e trabalhavam no primeiro trecho eletrificado da linha, aliás o mais difícil, entre Barra Mansa e Augusto Pestana. Pequenas, pesavam 46 toneladas e produziam 600HP de potência, e puxavam trens de até 200 toneladas, ou se postas em duplex, podiam rebocar até 300. Parece pouco, mas as condições da via eram tão difíceis que as máquinas a vapor puxavam uma carga pouco maior que seu próprio peso. Utilizavam alimentação de 1500 Volts, metade do padrão nacional utilizado pela Paulista, Central e Sorocabana. 

Duplex de Metropolitan-Vickers em Rutilo.

Inauguraram a eletrificação da Oeste de Minas em 1928, data próxima da entrega do exemplar da Metropolitan-Vickers da Companhia Paulista, o que se supõe que a mesma estava animada com suas vendas à ferrovia mineira e resolveu tentar a sorte na estrada de ferro que àquela altura já estava com sua eletrificação consolidada e em plena expansão. Não deu certo, como já mencionado nesse blog algum tempo atrás, pois a Paulista só ficou com aquele exemplar.


Acima e abaixo: duas raras fotos mostrando a frente das Metropolitan-Vickers. Antigas, são difíceis de se ter registros fotográficos das mesmas, sendo a imagem de cima retirada do catálogo do fabricante.


No ano da inauguração. Essa foto é anterior ao período da inauguração, que ocorreu apenas em Dezembro de 1928.

Tempos depois, a Oeste de Minas, em grave crise financeira, acabou sendo englobada à Rêde Mineira de Viação, sob controle do Estado de Minas. Pouco tempo depois, fez nova aquisição de locomotivas elétricas, animada com a eficiência das mesmas, e querendo aumentar seu parque de tração, umas vez que a eletrificação se estendeu - chegou em seu apogeu até a localidade de Minduri -, e precisava suprir a demanda. Dessa vez o fornecimento ficou a cargo da dupla alemã Siemens (parte elétrica) e Schwartzkopf (mecânica e carroceria). 

Perfil da pequena Siemens, no catálogo do fabricante.

Chegaram em 1934, em oito unidades. Pesavam 48 toneladas, apenas duas a mais que suas antecessoras, embora desenvolvessem 800HP. O baixo peso era resultado do processo de montagem por solda elétrica, ao invés de rebites, processo que seria usado posteriormente nas Lobas para também reduzir o peso, o que era essencial nas vias precárias nas quais trafegavam.

Siemens em Minduri.

Em Zelinda.

Na oficina.

O terceiro e último modelo é um projeto à parte, pois se tratava de uma aquisição de outro trecho eletrificado da RMV, entre Belo Horizonte e Divinópolis. Iniciado no pós-Segunda Guerra, esse trecho era algo novo, um projeto próprio da RMV, e não algo "herdado" como o antigo trecho da EFOM. O modelo adquirido trabalharia no já consolidado padrão de 3000 Volts, algo mais moderno e eficiente que as outras locomotivas mais antigas. Porém, mais uma vez entrava em cena a Metropolitan-Vickers, fornecendo catorze exemplares daquelas que seriam as mais famosas elétricas de Minas. Tinham potência de 900HP e quase 50 toneladas de peso, o que na prática pouco acrescentava em relação às outras elétricas mineiras. Chegaram em 1952, período de mudanças no mundo ferroviário nacional, pois era a época da chegada gradual das primeiras locomotivas a diesel. Desde cedo as novas Vickers tiveram de conviver com suas ferrenhas e letais concorrentes, embora convivessem em harmonia e até mesmo puxassem composições juntas em certos casos.

As novas Metropolitan-Vickers da RMV.

Em Lavras, já com a pintura da RFFSA.



Durante os anos 70 houve a crise do sistema de 1500 V. Nessa época ambos os sistemas se encontravam em Minduri, exigindo a troca de máquinas ali. As antigas Metropolitan-Vickers de 1928 tiveram de sair de cena por estarem impossibilitadas de trabalhar mais, devido ao desleixo na manutenção durante anos, e as Siemens estavam pouco melhores. Chegou-se à emergência de converter quatro unidades das novas Metropolitan-Vickers para 1500 Volts, até que em meados da década unificou-se todo o sistema em 3000 Volts, de Belo Horizonte até Barra Mansa. Assim as Siemens também saíram de cena. Porém um trecho tão grande para apenas 14 máquinas já era um sinal ruim no cenário elétrico da Rede. Cerca de uma década depois, durante os anos 80, a eletrificação de todo o trecho foi desativado, e as máquinas enviadas para a Bahia, onde encontraram seu fim. Ao menos existem dois exemplares inteiros dessas últimas máquinas, um em São João del Rey, outro em Curitiba, onde algumas máquinas idênticas foram adquiridas num malfadado projeto de eletrificação da Serra do Mar até Paranaguá.

Raridade em relação à história ferroviária nacional, aliás, uma agradável raridade...

Siemens na oficina.

Composição de transporte de gado na Serra da Mantiqueira.

Siemens já com pintura da RFFSA

Triplex com Metropolitan-Vickers e G12. Era possível utilizar as trações elétrica e diesel na mesma composição, sendo notado várias vezes nas linhas da RMV.

Em Glicério, Quatis - Rio de Janeiro.










quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Nota de Esclarecimento


O blog ultimamente tem apresentado uma queda drástica no ritmo de postagens, é bem verdade, por isso venho publicar essa pequena nota me retratando.

O que ocorre não é a falta de assunto, muito pelo contrário, mas estou deveras atarefado em outras questões. Atualmente estou em um projeto de pesquisa acerca da Estrada de Ferro Central do Brasil em sua era a vapor, e a fim de cumprir prazos, tenho de de dar atenção ao mesmo, o que se unindo a outras atividades, acaba pondo o blog de lado.

Peço paciência aos leitores, pois embora o ritmo aqui tenha diminuído, uma vez que o trabalho tenha terminado haverá um grande e rico material para ser publicado. Por favor, aguardem.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Ferrovias "apertadas" V - Aspectos dos ramais em bitola métrica da Companhia Paulista

Nessa bela foto, a famosa Henschel "Jibóia" posa descansando em frente à estação de Brotas.

Embora muitas ferrovias abertas com investimentos relativamente modestos acabassem "inchando" e se tornando ferrovias de primeira linha aos moldes brasileiros, a ideia principal de engenharia das mesmas era que fossem linhas de baixa densidade de tráfego, em geral ferrovias alimentadoras de outras maiores, ou linhas que futuramente seriam investidas. Nessa questão, a Companhia Paulista era bem servida desse tipo de modal, tendo boa parte de sua carga provinda dessas pequenas ferrovias "cata-café".

Por conta da incompatibilidade de bitolas, as cargas deviam fazer baldeação, ou seja, serem completamente retiradas de um trem e passadas para outro. Os pátios possuíam linhas de bitola mista, como na foto.

Ao falar da CPEF, a primeira coisa que nos vêm à mente são as grandes locomotivas elétricas, especialmente as "V8" dos anos 40, que cortavam o interior paulista puxando velozes e luxuosos trens de passageiros pelas linhas da bitola larga de 1,60 m. Porém, para a estrutura econômica geral da Paulista, era de grande importância suas linhas secundárias de bitola métrica. A criação das mesmas se deu geralmente por dois fatores: através de companhias independentes que se utilizavam da Companhia Paulista para se conectar com o litoral, ou por extensões econômicas da própria Paulista.

Vagões na estação Bariri.

O primeiro caso era o mais comum, sendo que por diversos fatores, essas mesmas companhias acabavam sendo posteriormente absorvidas pela Paulista, fosse por vantagem econômica, ou por necessidades estratégicas. O caso mais importante foi o da Companhia Rio Claro, que através de sua absorvição mediante uma interessante manobra comercial, adicionou à CPEF uma notável rede em bitola métrica, da qual parte da mesma foi alargada e adicionada como linha-tronco, de Rio Claro até Itirapina, a partir daí se bifurcando para São Carlos ou Bauru, sendo essa segunda também resultado do alargamento de bitola. Outra ferrovia importante absorvida pela Paulista foi a Companhia do Dourado. Essa não teve trechos alargados, tendo continuado a servir como linha secundária e alimentadora da CPEF.

Locomotiva da antiga Companhia Douradense.

Mais duas locomotivas ex-Douradense.

Em seu apogeu, a Paulista teve a seguinte lista de ramais em bitola métrica:

Ramal de Analândia
Ramal de Campos Sales
Ramal de Agudos
Ramal de Água Vermelha
Ramal de Pontal
Ramal de Jaboticabal
Ramal de Terra Roxa
Ramal de Ribeirão Bonito
Ramal de Nova Granada
Ramal de Barra Bonita (ex-Estrada de Ferro Barra Bonita)
Ramal de Luzitânia
Ramal de Itápolis
Ramal de Bariri
Ramal de Jaudourado
Ramal de Dourado

(Os 4 últimos pertenciam à antiga Companhia do Dourado).

Uma das três "Jibóias", locomotivas de rodagem 4-10-2 adquiridas da Alemanha em 1936.


Fotos do acervo do material rodante da Companhia Paulista, mostrando de perfil uma Henschel "Jibóia", e abaixo uma das duas enormes "Mallets".



Esse grande número de ramais em bitola métrica ajudavam a formar o aspecto "em leque" da rede de linhas da Companhia Paulista, cujo quilômetro zero estava em Jundiaí. Embora fossem de aspecto mais modesto que as linhas principais em bitola larga, esses ramais não estavam de fora do esmero da empresa, que atendia tanto no transporte de cargas quanto de passageiros. Havia também investimentos em material rodante, com vagões feitos em Rio Claro, assim como os da bitola larga, e máquinas compradas exclusivamente para elas, como o caso das famosas Jibóias, e as duas enormes Mallets de rodagem 2-8-8-2, gigantes que por décadas se vangloriaram de ser as maiores locomotivas de bitola de 1 metro existentes, até a chegada das Henschel da Central do Brasil, já no fim da era do vapor. Com o advento das diesel, a CPEF comprou 10 locomotivas ALCo. modelo RSD-8, e 3 máquinas alemãs LEW vieram para bitola métrica.

Imagem em cores de uma das RSD-8.

Um trem de passageiros em bitola métrica parado na estação de São Carlos, para fazer baldeação de passageiros.

Infelizmente, a partir da segunda metade do século XX, o modal ferroviário foi afetado seriamente por decisões governamentais, que prezavam pelo investimento em estradas de rodagem, além do gradual encampamento das ferrovias pelo governo. Uma das medidas sem muito sentido prático do governo foi a denominada "política de erradicação de ramais deficitários", que previa cinicamente enxugar a malha ferroviária, e a Paulista, já nas mãos do governo estadual de São Paulo, se viu obrigada a abrir mão de ramais que, embora não fossem deficitários, eram os menos lucrativos. E assim, a contragosto, mas já sofrendo da paralisia burocrática da estatização, a administração da Companhia Paulista decreta o fim de suas linhas em bitola métrica no decorrer da década de 1960.

Foto com a RSD-8.

Estação de Boa Esperança, com duas RSD-8 manobrando. 

Baldeação na estação de Rincão.

Trem frigorífico em São Carlos, 1918.