segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

As GE de exportação: U9, U12 e U13

Uma valente U13B fazendo o Expresso Cacique, entre o Rio e Vitória, imortalizado nessa fotografia de Bloomfield, responsável por diversas fotografias ferroviárias brasileiras em cores no período.

Corriam os anos 50, e gradativamente as máquinas a diesel, muito mais eficientes, flexíveis e rentáveis que as vapor, iam tomando o espaço dessas últimas no mundo. No Brasil não foi diferente, pelo contrário. As companhias viam com bons olhos essa novidade, e assim que podiam iam adquirindo as novas locomotivas. No mercado americano, duas gigantes despontavam: a EMD, da General Motors, com suas máquinas robustas e brutas empurradas por confiáveis motores dois tempos; e a General Electric, experiente com elétricas e motores de tração, mas que aos poucos se desvencilhava da ALCo. e entrava sozinha no mercado com seus próprios motores, baseados na tecnologia da Cooper-Bessemer.

U12B em Ubá - MG. 

Foto de 1958 mostrando a chegada de um lote de locomotivas G12. As principais concorrentes das U12 foram muito mais numerosas pelo mundo, chegando a ter em torno de 270 unidades apenas no Brasil. 

Os americanos viram logo o potencial de mercado dos países denominados "subdesenvolvidos", a maioria deles contando com características precárias de manutenção, tanto da via quanto dos próprios trens, e passaram a desenvolver projetos universais e capazes de abranger uma gama enorme de condições. Eram máquinas simples, sem apelo estético algum, nem equipamentos considerados além do básico para a operação. Eram adaptáveis a todas as bitolas que pudessem ser consideradas como de linhas comuns, ou seja, de 914mm até a enorme bitola de 1672mm, usada na Argentina, Chile e Índia, e considerada a maior bitola comercial ativa do mundo. A necessidade de incluí-las em bitolas tão estreitas, além do baixo custo, fez com que seguissem, além das características espartanas de funções, alguns outros padrões: eram pequenas, pois muitas ferrovias de baixo custo tinham gabaritos bastante restritivos; eram leves, pois trafegariam em linhas precárias; e de baixa potência, pois os trens em sua maioria seriam leves e lentos, além da impossibilidade de adaptar, na época, motores potentes em um corpo naquelas proporções. Para ter mais potência, bastava usar um recurso vantajoso em relação ao vapor: a tração múltipla, onde duas ou mais locomotivas poderiam ser conectadas entre si e comandadas por igual por apenas um maquinista.

U12B da Estrada de Ferro Sorocabana.

Receita de sucesso, as locomotivas de exportação foram um tremendo sucesso, e aqui no Brasil, onde a maioria das ferrovias encontrava as condições ideais para essas máquinas, foi o destino de milhares delas ao longo das décadas. A principal e mais famosa, sem dúvida foi a G12 da EMD e sua versão menos potente, a G8, responsáveis pela dieselização de inúmeras ferrovias, e trazidas às centenas. A GE, junto ao calcanhar de sua concorrente, projetou seu modelo similar: as U9 e U12.

U9B e U9C:

Foram fabricadas em 1957, para concorrer diretamente com a versão menso potente da EMD, a G8. Eram pouco mais potentes, tendo 1050HP, contra os 950HP de suas rivais, embora na prática isso pouco influenciasse. Assim com as G8, as U9B foram feitas em poucas unidades, sendo um total de 13 no Brasil: 3 para a RMV, e 10 para a Companhia Paulista, operando nesta em bitola larga de 1,60m. O único outro país que as utilizou foi o Chile, onde utilizavam truques de três eixos, as tornando U9C. Eram um total de 16 naquele país.

U9B da Companhia Paulista.


U12B e U12C:
Também fabricadas em 1957, teriam uma missão impossível: concorrer com as onipresentes G12, que conquistavam espaço em vários países ao redor do mundo. No Brasil, foram 3 as ferrovias que as adquiriram: a Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, com 20 unidades; a Estrada de Ferro Sorocabana, com 22 unidades; e a Estrada de Ferro Leopoldina, com 10 locomotivas. Comparadas às suas concorrentes, foram bem tímidas, pois além do Brasil apenas a África do Sul as utilizou, comprando um número pouco menor que aqui: 45 unidades. Sua versão "C", com truques de três eixos, foi mais bem sucedida, sendo vendidas para a Argentina - maior compradora, com 70 unidades - Chile, Colômbia e Filipinas. No Brasil a Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA) adquiriu 2 unidades para manobras internas, enquanto a Leopoldina adquiriu 18 unidades, que faziam os mesmos serviços de suas irmãs de truques de dois eixos.

U12B ainda nas cores da Sorocabana, mas já com a inscrição da Fepasa.

U13B e U13C:

Em 1959 sai do mercado as U12 e entra as U13. Esteticamente, são virtualmente iguais - assim como não há praticamente diferença em relação às U9 - mas eram um modelo mais atualizado, e contava com um motor um pouco mais potente: 1300HP disponíveis para tração, ao invés dos 1200HP das U12. A Rede de Viação Paraná-Santa Catarina adquiriu 10 exemplares do modelo U13B para operarem em suas linhas sinuosas, ao passo que na Leopoldina foram as mais numerosas de toda a série no Brasil reunidas em apenas uma companhia: 44 unidades. Fora do Brasil, as U13B só tiveram presença em Cuba. As U13C foram novamente mais populares no exterior, adquiridas pela Argentina - mais 70 unidades -, Chile, Colômbia, Paquistão e Gabão.


Acima e abaixo: Locomotivas U13C da RFFSA-Leopoldina.




Posteriormente, nos anos 70, todas as U12B e U13B da RVPSC foram realocadas na Leopoldina, enquanto que as 3 U9B da RVM foram para a Noroeste do Brasil. As máquinas paulistas foram absorvidas pela Fepasa. Atualmente todas as U9B foram baixadas, enquanto que as U12B em sua maioria ficaram sob tutela da Ferrovia Centro-Atlântica, atualmente VLI, e enviadas para operar em suas linhas no nordeste. Algumas U12C e U13B ficaram para os serviços de subúrbio do Rio de Janeiro, em suas linhas de bitola métrica. Não tão famosas quanto, e muito menos numerosas que as G12, as U12 e U13 ainda estão, como suas concorrentes, resistindo aos anos firmemente, mostrando que sua principal função foi e continua sendo cumprida e bem cumprida: prover as estradas de ferro de poucos recursos e manutenção com trens robustos e eficientes.

U12B da FCA na Bahia.


Acima e abaixo: duas representantes, com truques "B" (de dois eixos) e "C" (de três eixos) que operam nas linhas de bitola métrica da Supervia. Há outras delas. Recentemente foram enviadas para uma reforma geral, e receberam pintura nova. Ainda não há previsão de aposentadoria para elas.












quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Passeando com as elétricas mineiras

No trecho entre Barra Mansa e Passa Vinte. Subindo e serpenteando as montanhas, nota-se o aspecto da linha eletrificada, ornada com seus rústicos postes de eucalipto, a exemplo dos usados pela Companhia Paulista.

Quando nós ouvimos falar de locomotivas elétricas no Brasil, a primeira que vêm em nossas mentes, quase unanimemente, são as célebres "V8" da Companhia Paulista - Ou as Escandalosas, por serem do mesmo modelo -, com seu design charmoso e imponente. Indo mais a fundo, lembramos de outras máquinas da Paulista, ou das Lobas e Minissaias da Sorocabana, das Henschel cariocas, etc. Já falei de boa parte delas, por serem muito famosas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Agora, é a vez de falar das simpáticas, pitorescas e não menos importantes elétricas da Rêde Mineira de Viação.

Metropolitan-Vickers de 1928, em duplex, com vagões de transporte de gado.

As primeiras elétricas de Minas foram adquiridas pela E. F. Oeste de Minas, ferrovia famosa por seu trecho de "bitolinha" (em 76cm), mas que contou com uma longa rede em bitola métrica chegando até o porto de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Eram cinco máquinas, fabricadas pela Metropolitan-Vickers, e trabalhavam no primeiro trecho eletrificado da linha, aliás o mais difícil, entre Barra Mansa e Augusto Pestana. Pequenas, pesavam 46 toneladas e produziam 600HP de potência, e puxavam trens de até 200 toneladas, ou se postas em duplex, podiam rebocar até 300. Parece pouco, mas as condições da via eram tão difíceis que as máquinas a vapor puxavam uma carga pouco maior que seu próprio peso. Utilizavam alimentação de 1500 Volts, metade do padrão nacional utilizado pela Paulista, Central e Sorocabana. 

Duplex de Metropolitan-Vickers em Rutilo.

Inauguraram a eletrificação da Oeste de Minas em 1928, data próxima da entrega do exemplar da Metropolitan-Vickers da Companhia Paulista, o que se supõe que a mesma estava animada com suas vendas à ferrovia mineira e resolveu tentar a sorte na estrada de ferro que àquela altura já estava com sua eletrificação consolidada e em plena expansão. Não deu certo, como já mencionado nesse blog algum tempo atrás, pois a Paulista só ficou com aquele exemplar.


Acima e abaixo: duas raras fotos mostrando a frente das Metropolitan-Vickers. Antigas, são difíceis de se ter registros fotográficos das mesmas, sendo a imagem de cima retirada do catálogo do fabricante.


No ano da inauguração. Essa foto é anterior ao período da inauguração, que ocorreu apenas em Dezembro de 1928.

Tempos depois, a Oeste de Minas, em grave crise financeira, acabou sendo englobada à Rêde Mineira de Viação, sob controle do Estado de Minas. Pouco tempo depois, fez nova aquisição de locomotivas elétricas, animada com a eficiência das mesmas, e querendo aumentar seu parque de tração, umas vez que a eletrificação se estendeu - chegou em seu apogeu até a localidade de Minduri -, e precisava suprir a demanda. Dessa vez o fornecimento ficou a cargo da dupla alemã Siemens (parte elétrica) e Schwartzkopf (mecânica e carroceria). 

Perfil da pequena Siemens, no catálogo do fabricante.

Chegaram em 1934, em oito unidades. Pesavam 48 toneladas, apenas duas a mais que suas antecessoras, embora desenvolvessem 800HP. O baixo peso era resultado do processo de montagem por solda elétrica, ao invés de rebites, processo que seria usado posteriormente nas Lobas para também reduzir o peso, o que era essencial nas vias precárias nas quais trafegavam.

Siemens em Minduri.

Em Zelinda.

Na oficina.

O terceiro e último modelo é um projeto à parte, pois se tratava de uma aquisição de outro trecho eletrificado da RMV, entre Belo Horizonte e Divinópolis. Iniciado no pós-Segunda Guerra, esse trecho era algo novo, um projeto próprio da RMV, e não algo "herdado" como o antigo trecho da EFOM. O modelo adquirido trabalharia no já consolidado padrão de 3000 Volts, algo mais moderno e eficiente que as outras locomotivas mais antigas. Porém, mais uma vez entrava em cena a Metropolitan-Vickers, fornecendo catorze exemplares daquelas que seriam as mais famosas elétricas de Minas. Tinham potência de 900HP e quase 50 toneladas de peso, o que na prática pouco acrescentava em relação às outras elétricas mineiras. Chegaram em 1952, período de mudanças no mundo ferroviário nacional, pois era a época da chegada gradual das primeiras locomotivas a diesel. Desde cedo as novas Vickers tiveram de conviver com suas ferrenhas e letais concorrentes, embora convivessem em harmonia e até mesmo puxassem composições juntas em certos casos.

As novas Metropolitan-Vickers da RMV.

Em Lavras, já com a pintura da RFFSA.



Durante os anos 70 houve a crise do sistema de 1500 V. Nessa época ambos os sistemas se encontravam em Minduri, exigindo a troca de máquinas ali. As antigas Metropolitan-Vickers de 1928 tiveram de sair de cena por estarem impossibilitadas de trabalhar mais, devido ao desleixo na manutenção durante anos, e as Siemens estavam pouco melhores. Chegou-se à emergência de converter quatro unidades das novas Metropolitan-Vickers para 1500 Volts, até que em meados da década unificou-se todo o sistema em 3000 Volts, de Belo Horizonte até Barra Mansa. Assim as Siemens também saíram de cena. Porém um trecho tão grande para apenas 14 máquinas já era um sinal ruim no cenário elétrico da Rede. Cerca de uma década depois, durante os anos 80, a eletrificação de todo o trecho foi desativado, e as máquinas enviadas para a Bahia, onde encontraram seu fim. Ao menos existem dois exemplares inteiros dessas últimas máquinas, um em São João del Rey, outro em Curitiba, onde algumas máquinas idênticas foram adquiridas num malfadado projeto de eletrificação da Serra do Mar até Paranaguá.

Raridade em relação à história ferroviária nacional, aliás, uma agradável raridade...

Siemens na oficina.

Composição de transporte de gado na Serra da Mantiqueira.

Siemens já com pintura da RFFSA

Triplex com Metropolitan-Vickers e G12. Era possível utilizar as trações elétrica e diesel na mesma composição, sendo notado várias vezes nas linhas da RMV.

Em Glicério, Quatis - Rio de Janeiro.










quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Nota de Esclarecimento


O blog ultimamente tem apresentado uma queda drástica no ritmo de postagens, é bem verdade, por isso venho publicar essa pequena nota me retratando.

O que ocorre não é a falta de assunto, muito pelo contrário, mas estou deveras atarefado em outras questões. Atualmente estou em um projeto de pesquisa acerca da Estrada de Ferro Central do Brasil em sua era a vapor, e a fim de cumprir prazos, tenho de de dar atenção ao mesmo, o que se unindo a outras atividades, acaba pondo o blog de lado.

Peço paciência aos leitores, pois embora o ritmo aqui tenha diminuído, uma vez que o trabalho tenha terminado haverá um grande e rico material para ser publicado. Por favor, aguardem.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Ferrovias "apertadas" V - Aspectos dos ramais em bitola métrica da Companhia Paulista

Nessa bela foto, a famosa Henschel "Jibóia" posa descansando em frente à estação de Brotas.

Embora muitas ferrovias abertas com investimentos relativamente modestos acabassem "inchando" e se tornando ferrovias de primeira linha aos moldes brasileiros, a ideia principal de engenharia das mesmas era que fossem linhas de baixa densidade de tráfego, em geral ferrovias alimentadoras de outras maiores, ou linhas que futuramente seriam investidas. Nessa questão, a Companhia Paulista era bem servida desse tipo de modal, tendo boa parte de sua carga provinda dessas pequenas ferrovias "cata-café".

Por conta da incompatibilidade de bitolas, as cargas deviam fazer baldeação, ou seja, serem completamente retiradas de um trem e passadas para outro. Os pátios possuíam linhas de bitola mista, como na foto.

Ao falar da CPEF, a primeira coisa que nos vêm à mente são as grandes locomotivas elétricas, especialmente as "V8" dos anos 40, que cortavam o interior paulista puxando velozes e luxuosos trens de passageiros pelas linhas da bitola larga de 1,60 m. Porém, para a estrutura econômica geral da Paulista, era de grande importância suas linhas secundárias de bitola métrica. A criação das mesmas se deu geralmente por dois fatores: através de companhias independentes que se utilizavam da Companhia Paulista para se conectar com o litoral, ou por extensões econômicas da própria Paulista.

Vagões na estação Bariri.

O primeiro caso era o mais comum, sendo que por diversos fatores, essas mesmas companhias acabavam sendo posteriormente absorvidas pela Paulista, fosse por vantagem econômica, ou por necessidades estratégicas. O caso mais importante foi o da Companhia Rio Claro, que através de sua absorvição mediante uma interessante manobra comercial, adicionou à CPEF uma notável rede em bitola métrica, da qual parte da mesma foi alargada e adicionada como linha-tronco, de Rio Claro até Itirapina, a partir daí se bifurcando para São Carlos ou Bauru, sendo essa segunda também resultado do alargamento de bitola. Outra ferrovia importante absorvida pela Paulista foi a Companhia do Dourado. Essa não teve trechos alargados, tendo continuado a servir como linha secundária e alimentadora da CPEF.

Locomotiva da antiga Companhia Douradense.

Mais duas locomotivas ex-Douradense.

Em seu apogeu, a Paulista teve a seguinte lista de ramais em bitola métrica:

Ramal de Analândia
Ramal de Campos Sales
Ramal de Agudos
Ramal de Água Vermelha
Ramal de Pontal
Ramal de Jaboticabal
Ramal de Terra Roxa
Ramal de Ribeirão Bonito
Ramal de Nova Granada
Ramal de Barra Bonita (ex-Estrada de Ferro Barra Bonita)
Ramal de Luzitânia
Ramal de Itápolis
Ramal de Bariri
Ramal de Jaudourado
Ramal de Dourado

(Os 4 últimos pertenciam à antiga Companhia do Dourado).

Uma das três "Jibóias", locomotivas de rodagem 4-10-2 adquiridas da Alemanha em 1936.


Fotos do acervo do material rodante da Companhia Paulista, mostrando de perfil uma Henschel "Jibóia", e abaixo uma das duas enormes "Mallets".



Esse grande número de ramais em bitola métrica ajudavam a formar o aspecto "em leque" da rede de linhas da Companhia Paulista, cujo quilômetro zero estava em Jundiaí. Embora fossem de aspecto mais modesto que as linhas principais em bitola larga, esses ramais não estavam de fora do esmero da empresa, que atendia tanto no transporte de cargas quanto de passageiros. Havia também investimentos em material rodante, com vagões feitos em Rio Claro, assim como os da bitola larga, e máquinas compradas exclusivamente para elas, como o caso das famosas Jibóias, e as duas enormes Mallets de rodagem 2-8-8-2, gigantes que por décadas se vangloriaram de ser as maiores locomotivas de bitola de 1 metro existentes, até a chegada das Henschel da Central do Brasil, já no fim da era do vapor. Com o advento das diesel, a CPEF comprou 10 locomotivas ALCo. modelo RSD-8, e 3 máquinas alemãs LEW vieram para bitola métrica.

Imagem em cores de uma das RSD-8.

Um trem de passageiros em bitola métrica parado na estação de São Carlos, para fazer baldeação de passageiros.

Infelizmente, a partir da segunda metade do século XX, o modal ferroviário foi afetado seriamente por decisões governamentais, que prezavam pelo investimento em estradas de rodagem, além do gradual encampamento das ferrovias pelo governo. Uma das medidas sem muito sentido prático do governo foi a denominada "política de erradicação de ramais deficitários", que previa cinicamente enxugar a malha ferroviária, e a Paulista, já nas mãos do governo estadual de São Paulo, se viu obrigada a abrir mão de ramais que, embora não fossem deficitários, eram os menos lucrativos. E assim, a contragosto, mas já sofrendo da paralisia burocrática da estatização, a administração da Companhia Paulista decreta o fim de suas linhas em bitola métrica no decorrer da década de 1960.

Foto com a RSD-8.

Estação de Boa Esperança, com duas RSD-8 manobrando. 

Baldeação na estação de Rincão.

Trem frigorífico em São Carlos, 1918.



sexta-feira, 6 de setembro de 2013

As locomotivas "Garratt"

Imponente Garrat fabricada sob licença pela Henschel para a VFRGS. As seis unidades serviam principalmente para o expresso Farroupilha, o trem mais luxuoso da companhia, visto na imagem.

Provavelmente um dos modelos mais estranhos e interessantes de máquina a vapor, as garratts estiveram presentes em várias ferrovias do país. Mesmo assim, são pouco conhecidas pela maioria das pessoas.
O projeto desse tipo de locomotiva foi desenvolvido por Herbert William Garratt, um engenheiro ferroviário inglês com experiência nas ferrovias coloniais britânicas. A primeira patente se deu em 1907, e logo conseguiu uma parceria com a Beyer, Peacock and Company. No mesmo ano, fora produzida a primeira máquina do tipo, uma minúscula locomotiva de bitola 610 mm.

A primeira garratt, denominada K1.

Tecnicamente, a forma das locomotivas garratt é um tanto exótica em relação a uma locomotiva a vapor comum, sendo dividida em três partes: a caldeira fica numa travessa apoiada em dois tênders, um na frente e outro atrás. É nos tênders que ficam as rodas, sejam guias, motrizes e portantes, ficando a parte da caldeira com um aspecto de suspenso. Cada tender tem seu arranjo de rodas disposto como uma máquina a vapor comum, ficando a disposição delas no tender traseiro inversa ao dianteiro. Por conta disso, as garratts podem trafegar sem problemas em ambos os sentidos, sem necessitar de manobras para virá-las.

Primeira geração de garratts do Brasil, as 5 máquinas foram adquiridas pela Mogiana.

No Brasil, as primeiras garratts vieram para a Companhia Mogiana, em 1912. Ainda não eram máquinas grandes, pois a Mogiana usava bitola métrica em traçados bem modestos. Tracionavam os expressos mais longos, entre Campinas e Araguari, por conta de sua agilidade nas variações da linha. Aliás, o grande trunfo das garratts estava em ferrovias com traçados ruins. No Brasil, muitas ferrovias apresentavam a mesma equação indigesta a se solucionar: como ter uma locomotiva eficiente, com mais força, mas que não fosse pesada nem  rígida o suficiente para seus trilhos leves, curvas apertadas e subidas fortes? Para se ter mais força e tração é preciso ter mais aderência, o que se dá com mais peso, mas no início do século XX praticamente nenhuma ferrovia de bitola métrica do Brasil suportava em seus trilhos uma carga com mais de 10 toneladas por eixo. Então surgiram as garratts, cujo desenho lhes dava muito mais aderência sem aumento de peso total, uma vez que o combustível - água e lenha - ficavam em compartimentos em cima das roda motrizes, e não num vagão atrás, servindo de peso-morto. As garratts caíram como uma luva para a situação das ferrovias brasileiras.

Um exemplar das enormes garratts da São Paulo Railway para bitola de 1.600 mm. As maiores da espécie no Brasil. Na foto, é possível notar as três partes que formam o conjunto.

Garratt da Henschel para a VFRGS, em um trem de carga.

Posteriormente, ferrovias maiores também se interessaram pelo potencial das garratts, tendo sido feitas para uma diversidade de bitolas, inclusive a mais larga de todas, de 1.672 mm, marcando presença na Índia e Argentina, dois países que usam essa medida. No Brasil, elas estiveram presentes, além da Mogiana, na Leopoldina, Great Western (no Nordeste), na Bragantina, na Viação Férrea Rio Grande do Sul, e nas linhas de bitola larga da São Paulo Railway, além de uma o outra em ferrovias particulares. Além da Beyer Peacock, a firma alemã Henschel também obteve licença de produzir essas máquinas, sendo as da VFRGS e a maioria das da Great Western feitas por ela. Outras duas pertencentes a esta última ferrovia foram produzidas pela Armstrong Whitworth.

Uma enorme máquina feita para a companhia argentina Ferrocarril Buenos Aires al Pacífico, em bitola de 1.672 mm.

Outro grande exemplar, creio que para a África do Sul.

Se por um lado a agilidade e eficiência dessas máquinas era incomparável às outras máquinas a vapor (sendo inclusive chamadas de "escaladoras de montanhas" em alguns países), por outro, havia um problema notável no projeto: uma vez que seu peso total era resultado do peso da própria máquina mais do combustível e água que carregava, conforme ela ia gastando, automaticamente ficava mais leve, e perdia aderência. Mesmo assim, isso não foi o suficiente para comprometer a reputação dessas locomotivas. 

Modelo da E. F. Leopoldina, saindo do pátio de Praia Formosa e passando pela estação Barão de Mauá.

A era do vapor passou, e como qualquer máquina do tipo, as garratts foram tiradas de serviço no mundo todo. Atualmente, algumas ferrovias, como na Argentina, Austrália e África do Sul operam algumas para fins turísticos. No Brasil, apenas uma se salvou do sucateamento e corte por maçarico, sendo um exemplar da antiga Great Western, do último lote de aquisição de garratts no país, datado de 1951 e fabricação Henschel, que repousa no museu ferroviário da estação central do Recife, ao lado da primeira locomotiva a diesel do país, mostrando em si toda imponência e classe de sua extinta espécie.

Essa grande garratt da Henschel é a única que sobrou no Brasil, estando no Recife. Abaixo, publicidade do fabricante destacando a mesma: