sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Sobre as estradas de ferro no século XIX - parte II

Trem da E. F. do Paraná. Bitola métrica, vagões de 2 eixos em estilo europeu, porém com uma locomotiva 2-6-0 americana.


Os anos finais do século XIX marcaram o que pode se chamar de "segunda fase" da implantação das estradas de ferro no Brasil, pois traz grandes mudanças em relação às ferrovias que se instalaram, pioneiras em solo nacional, cerca de duas décadas antes.

Como já referido, nesta segunda fase optou-se pela adoção de bitolas reduzidas, em condições técnicas bem modestas para diminuir custos, medida incentivada inclusive pelo governo com a chamada "lei de subvenção quilométrica". Também fora referido que o estilo do material rodante foi sendo gradualmente aproximado ao americano, em detrimento do europeu, devido a maior facilidade daquele se adaptar às condições técnicas mais precárias. Mas isto não significa que a presença européia no mercado ferroviário no Brasil tivesse desaparecido, pelo contrário, como podemos ver por exemplo a fortíssima presença de máquinas inglesas na Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, assim como na Leopoldina - sem contar, é claro, com a São Paulo Railway. Além de americanas e inglesas, há a presença de fabricantes franceses, belgas e alemães.

Locomotivas europeias ainda seriam adquiridas ao longo dos anos por diversas estradas de ferro, como esta, da Alemanha, mas deixariam de ser prioridade.


Mas o mais marcante nesta questão é o surgimento dos fabricantes de material rodante nacional. Ainda continuamos importando a quase totalidade de locomotivas ao longo das décadas seguintes, com apenas alguns pontuais experimentos próprios de certas oficinas, usando peças sobressalentes de locomotivas importadas, porém em questão de vagões, o Brasil aprendeu relativamente cedo a garantir seu espaço neste nicho. Infelizmente as peças de metal, como rodeiros e longarinas, ainda tinham de ser importados. Mesmo assim, já era um avanço.

Montagem de vagões numa oficina da Companhia Mogiana.


Assim como Pedro Carlos da Silva Telles afirma em seu livro, História da engenharia ferroviária no Brasil, havia na década de 80 do século XIX expressivo número de fabricantes cuja montagem de vagões sob encomenda seguia ritmo normal, como a Fábrica de Ponta da Areia, Officinas da Companhia Constructora, e a Empreza Edificadora; além das oficinas de Röhe Irmãos, que fabricava carruagens e posteriormente vagões; além das oficinas das próprias estradas de ferro, como a Mogiana, a Companhia Paulista e a D. Pedro II, que trabalhavam com grandes volumes.

Aspecto das oficinas da Leopoldina em Pôrto Nôvo, com diversos rodeiros organizados. 


A E. F. D. Pedro II, através de seu complexo de oficinas, e sendo a estrada de ferro mais importante do país, fora responsável pelo pioneirismo em diversos conceitos desde tal época, tanto no uso de vagões nacionais, como na experiência de fabricação de rodeiros (numa tentativa de diminuir a dependência de material estrangeiro),  no uso de carros dormitórios em trens noturnos,  na iluminação de carros de passageiros em geral, e na adoção do engate central automático e do freio a ar-comprimido. Coube também à mesma, através do engenheiro Ewbank Câmara, a adoção de semáforos como sinalização, em 1886, em mais um exemplo de pioneirismo daquela companhia.

Carro dormitório da Central do Brasil.

Sinalização próxima ao início do ramal de Santa Cruz que se inicia à esquerda, na curva. Em linha reta a estrada segue para a Serra do Mar.











quarta-feira, 18 de junho de 2014

Nota de Esclarecimento





O blog está parado. Iniciei uma série sobre o início das estradas de ferro no Brasil, mas não passei da primeira parte. Mas isto não significa que abandonei este espaço. 

De certo, há meses não escrevo nada, mas tenho um motivo, relacionado com o próprio tema: estou fazendo um levantamento historiográfico acerca dos trens de subúrbio do Rio de Janeiro, porém mais específico do que o que já escrevi aqui. Trata-se especificamente dos planos de eletrificação, e do processo de melhorias ocorridas durante as primeiras décadas do século XX.

A ideia do projeto é mostrar o que foi feito para resolver a terrível crise acumulada no período: demanda cada vez maior pelo transporte, saturação do tráfego, trens além do limite de vida útil, falta de combustível. Tudo isso de uma vez, gerando uma terrível dor de cabeça à administração da ferrovia. A volta por cima se deu através de medidas práticas, e até certo ponto criativas, para salvar a mais importante via de interligação nacional do período.

Conto com a compreensão de todos, pois é um trabalho extensivo, tenho prazos a cumprir, além de aulas para lecionar e assistir. Mas digo que sairá algo novo dentro de alguns dias.

Mais uma vez peço perdão pela demora.





segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Sobre as estradas de ferro do século XIX - parte I

A Estrada de Ferro Mauá se utilizava de uma bitola de 1,67 metros, a maior já utilizada no Brasil.

A despeito das primeiras estradas de ferro do país (Mauá, Recife - São Francisco, D. Pedro II e São Paulo Railway), projetadas em bitola larga, as posteriores tiveram preferência para gabaritos mais estreitos, com bitolas de valores próximos a 1 metro. Fora resultado de inúmeras discussões a respeito de como se daria a expansão desta tecnologia tão promissora e ao mesmo tempo tão pouco conhecida em terras brasileiras.

A E. F. Recife - São francisco foi a primeira a se utilizar da bitola de 1,60 m, que se tornaria o padrão para a bitola larga no Brasil até os dias de hoje. Mesmo assim, os altos gastos não foram compensados, e posteriormente ela fora rebitolada para 1 m.

Existiam defensores de projetos arrojados de expansão, como Christiano B. Ottoni, primeiro diretor da E. F. D. Pedro II e ferrenho estudioso da importância de uma rede unificada e integrando todo o Brasil. Por outro lado, a realidade enfrentada era de um país que desconhecia grande parte de seu próprio interior, e voltado principalmente para a exportação de produtos agrícolas, em especial o café. Na luta entre "larguistas" e "estreitistas", venceram os últimos pelo fato de que, para uma realidade econômica que sobrevivia a lombo de mulas, uma estrada de ferro mesmo que de dimensões mais modestas já era um notável avanço. Além do mais, as primeiras ferrovias provaram que os custos de uma bitola larga eram muito elevados, devido ao maior gasto de material para dormentes, lastro, pontes e aterros, cortes e túneis. Avançar interior adentro, em trechos montanhosos ou mesmo de terrenos muito irregulares, demandaria vultosos recursos, que talvez nunca fossem ressarcidos com os lucros provindos do transporte.

Ottoni estivera na direção da E. F. D. Pedro II desde sua formulação e por dez anos, e além disso fora o grande idealizador da integração nacional e do uso de bitola larga por esta poder transportar mais cargas. Infelizmente era um homem à frente de seu tempo, e enfrentou muita resistência por conta de suas ideias, que só passaram a ser de fato analisadas mais um século depois.

Por outro lado, bitolas estreitas, além da menor demanda de materiais, permitiam curvas mais fechadas, mesmo que isso na prática reduzisse a velocidade das composições. Mas ainda era melhor que mulas. O pouco volume a ser transportado também tornava desinteressante a continuação do uso de bitolas largas nas novas ferrovias, feitas por conta de interesses locais de grandes fazendeiros, que apenas queriam levar seus produtos aos portos. A falta de visão de longo prazo e de um espírito unificador foram sim responsáveis pelo surgimento das "ferrovias apertadas", porém, mais que isso, havia o problema real de que seria financeiramente muito arriscado galgar montes, vales e rios com enormes obras de arte apenas para buscar apenas alguns poucos vagões carregados.

Estação de Fama, aqui como um exemplo de linha de bitola métrica. Muitas vezes a pouca carga a ser transportava tornava a adoção deste tipo de bitola muito mais vantajoso.

Então, ficara definido que a bitola de 1 metro seria a mais ideal, utilizando-se a bitola larga de 1,60 m apenas na extensão da E. F. D. Pedro II, e na Companhia Paulista, que era uma espécie de extensão natural da São Paulo Railway. De fato, a primeira ferrovia a se utilizar de uma bitola estreita, a União Valenciana (no caso 1,10 m ) se mostrou extremamente econômica e em muito entusiasmou os interessados na abertura de novas estradas, tornando-se assim a regra a partir dos anos 70 do século XIX.

Muitas estradas de ferro de bitola métrica surgiram como ferrovias de interesse local, e se tornavam alimentadoras de outras maiores, principalmente as de bitola larga, onde o volume de cargas justificava financeiramente a bitola adotada, como é o caso da São Paulo Railway.

Durante esse período final do século XIX também houve grandes mudanças na escolha do material rodante a ser utilizado, preferindo o americano em detrimento do inglês, pois o primeiro se mostrara muito mais adequado às nossas ferrovias sinuosas e mal assentadas. A novidade americana de se utilizar um sistema de truques, ao invés dos eixos montados diretamente no estrado dos carros e vagões garantia muito mais estabilidade na inscrição das curvas. Nos carros de passageiros, a diferença estava na construção em apenas uma seção, e da presença do corredor central, ao invés de diversos compartimentos isolados entre si, acessados por várias portas laterais. Apenas a São Paulo Railway, de capital completamente inglês, se manteve essencialmente com as características britânicas de ferrovias, embora posteriormente tenha adotado material mais próximo ao americano.


Nos anos iniciais das estradas de ferro no Brasil, o material rodante era constituído principalmente de pequenas vagonetas de estilo britânico, onde o peso carregado não passava de 12 toneladas, tanto na bitola larga (acima) quanto na métrica (abaixo). 



A adoção de truques em muito aumentou a capacidade de carga que um vagão poderia transportar, como no caso esse vagão da Sorocabana, cuja lotação equivaleria a 2 vagonetas antigas cheias.