sexta-feira, 21 de junho de 2013

As máquinas experimentais da Companhia Paulista

Pátio de Campinas, e o aspecto da rede aérea para movimentar os trens elétricos.

A Companhia Paulista de Estradas de Ferro se tornou notável no século XX por desde 1922 operar com locomotivas elétricas, sendo uma das primeiras e a maior operadora ferroviária do Brasil a utilizar eletricidade para mover seus trens. Energia limpa, fora a escolha de algumas ferrovias nacionais como alternativa em relação aos altos custos de operação das locomotivas à vapor, pois o carvão no país é escasso e de má qualidade, obrigando o uso de lenha, que tem rendimento muito baixo.

A eletricidade praticamente extinguiu a tração a vapor na linha-tronco da Paulista.

Ao longo do tempo, a grande Companhia Paulista estendeu a eletrificação de suas linhas progressivamente São Paulo adentro, e seu parque de tração também aumentou bastante, chegando a contar com mais de 80 locomotivas elétricas. Construídas em épocas distintas e por fabricantes distintos, as locomotivas movidas a eletricidade tinham diversos tamanhos e potências, sempre aumentando conforme as necessidades e demandas também aumentavam. Haviam modelos com diversos exemplares, como as célebres "V8", que foram as mais numerosas com um total de 22 unidades, e outras nem tanto, com quatro ou seis exemplares. Porém, há dois casos curiosos, dois modelos distintos que, quebrando o monopólio de fornecedores americanos, GE e Westinghouse, marcaram presença nas linhas da CPEF com apenas um exemplar de cada:

Metropolitan-Vickers:


A solitária Metropolitan-Vickers nº 330 foi a primeira a receber o nome de homenagem "Francisco de Monlevade", o responsável pela eletrificação da Companhia Paulista. Depois o mesmo nome foi retirado e rebatizado numa V8.

Fabricada pela companhia inglesa responsável pela eletrificação e fornecimento de equipamentos para outras ferrovias brasileiras como a E. F. Campos do Jordão, E. F. Central do Brasil, Rêde Mineira de Viação e E. F. Santos-Jundiaí, em parceria com a Wintenthur, fora fornecida como protótipo criado especialmente para as condições da CPEF.

Metropolitan-Vickers tracionando uma antiga composição com carros ainda de madeira.


Diagrama da máquina.

Recebida em 1926, a máquina media entorno de 18 metros de comprimento, e fornecia cerca de 2340 HP de potência, distribuídas em dois truques de 8 rodas cada, sendo as duas de cada extremidade rodas-guia livres, sem motor. Fora inicialmente numerada como 217, posteriormente seu número foi alterado para 330. Tracionava trens com velocidade de até 80 Km/h, que era o limite da época, e seu design era característico das máquinas inglesas do fabricante, inclusive guarda muitas semelhanças com o projeto posterior que seria usado caso a E. F. Sorocabana encomendasse locomotivas à ela, mas que  devido à guerra isso não se tornou possível.

A máquina e os pára-choques do engate europeu.

Apresentava alguns problemas de projeto, e seu apelido entre os maquinistas - cadeira elétrica - sugere que havia falhas de isolação e eventuais descargas de corrente na máquina. Talvez esse tivesse sido um dos motivos de a Paulista não se interessar por mais modelos dela, que rodou solitária até o início dos anos 70, quando já em mãos da FEPASA, foi retirada de serviço por falta de peças de reposição. Salva do desmanche, hoje em dia segue em restauração no museu catavento cultural no Parque Dom Pedro, em São Paulo.

Seus últimos dias de serviço, já com a primeira pintura da Fepasa.

Exposta no parque.



Brown Boveri:


Brown Boveri, com seu peculiar arranjo de rodas.

Provavelmente o modelo mais exótico da Companhia Paulista, a locomotiva nº 320 tem uma história um tanto obscura, com poucas informações. Adquirida em 1929, de acordo com relatos teria vindo para testes de um audacioso projeto da São Paulo Railway de descer a Serra do Mar por um longo túnel, em simples aderência, e assim permitir locomotivas normais, movidas a eletricidade, conduzissem os trens sem necessitar do complexo funicular da serra. A ideia nunca saiu do papel, e por conta disso a máquina teria sido repassada à CPEF, pois a SPR não possuía linhas eletrificadas ainda.


Com uma longa composição de carga geral.


As rodas motrizes, vistas do outro lado, são completamente livres.

Verdade ou não, a locomotiva, construída pela firma suíça também em pareceria com a Wintenthur, tinha características únicas. Seu arranjo de rodas, 1-D-1, era completamente diferente das outras máquinas elétricas do Brasil, e suas 8 rodas motrizes, enormes e de raios finos, em muito pareciam com rodas de carruagem ou de locomotivas a vapor, com seus 1,60m de diâmetro. Gerava em torno de 2520 HP, sendo na época a mais potente locomotiva da companhia.

Em Triagem Paulista.

Locomotiva Ae 4/7: semelhanças...

Fazia lembrar as famosas locomotivas suíças Ae 4/7, porém com um eixo a menos de rodas-guia, e sem o pequeno "nariz" em cada extremidade. Utilizava também  o mesmo sistema de tração das Ae 3/6 e Ae 4/7, inventado pelo suíço Jakob Buchli, que lhe dava uma característica assimétrica: de um lado, as rodas motrizes eram totalmente cobertas, enquanto que do outro eram completamente expostas. Saiu de serviço ainda nos anos 60, sendo a primeira e única locomotiva elétrica a ser baixada pela Companhia Paulista - todas as outras foram já na época da FEPASA. Provavelmente a reposição de peças devia ser custosa e complicada demais para gastar tanto em apenas um exemplar.







quinta-feira, 6 de junho de 2013

O curioso caso do circular da D. Pedro II


O antigo prédio da estação D. Pedro II. Basicamente o mesmo desde o início da ferrovia.

E mais uma vez retornamos à Estrada de Ferro Central do Brasil. Este é um interessante caso que envolveu criatividade e originalidade por parte da engenharia da mesma para contornar uma situação complicada com os recursos disponíveis na época.

Aspecto do pátio da estação.

A Central do Brasil teve uma enorme importância no panorama histórico das ferrovias brasileiras. Já foi dito em outra postagem sobre seu caráter integrador, tanto econômica quanto politicamente. E nesse leque de atividades presentes nessa ferrovia, havia o transporte urbano. Pois bem, contando não apenas com o transporte de passageiros de média e longa distância, como as outras ferrovias, desde o século XIX a EFCB já desempenhava um importante papel na movimentação entre a metrópole carioca e os subúrbios.

Vista do interior da estação, com a linha do circular bem ao meio.

Entretanto, o crescente aumento de passageiros, aliado a problemas de manutenção e ou substituição de material rodante, e relacionados a inflexibilidade de uma típica companhia pública, fizeram surgir uma série de situações e problemas sérios. As linhas da Central necessitavam de uma revitalização, e seus trens estavam defasados e eram inadequados para um transporte urbano eficiente. Locomotivas ainda a vapor, com idades entre 30 e 40 anos, e carros de madeira com portas somente nas extremidades: eis o quadro do material rodante desta ferrovia em meados da década de 10 e 20 do século XX. A grade de horários com intervalos curtos era difícil de cumprir, devido às demoradas manobras necessárias para inverter o sentido de um trem comum. Desde muito, havia-se cogitado a eletrificação das linhas da Central do Brasil para o uso de trens metropolitanos elétricos - mas isso só viria no fim dos anos 30.

Típico trem de subúrbio a vapor da Central. Pessoas penduradas do lado de fora dos carros já era um problema desde o início do século XX.

Mesmo assim, diversas modificações, a cargo do engenheiro André Gustavo Paulo de Frontin foram feitas, como a duplicação e readequação da linha na Serra do Mar, entre Japeri e Barra do Piraí, já prevendo a eletrificação. Para otimizar o tráfego dos trens suburbanos à vapor, ele contou com o uso de um artifício inusitado: construir uma pera ferroviária no meio da plataforma da estação D. Pedro II, a fim de facilitar as manobras dos trens!



Nesse recorte aproximado, é possível ver a área do circular, criado de forma emergencial para otimizar as saídas das composições.

Espetacular imagem mostrando um trem manobrando na pera dentro da estação. Detalhe para o acesso subterrâneo para os passageiros não transitarem na linha.

A descoberta desse caso inusitado se deve a diversas pesquisas historiográficas, em especial por Hugo Caramuru, que disponibilizou algumas fotos de seu acervo no fórum Trilhos do Rio. Conta-se que Paulo de Frontin primeiramente criou uma linha de testes na área do pátio de Marítima, com uma curva apertada, cerca de 60 metros de diâmetro, e depois desses testes com o material rodante, encomendou cerca de 23 locomotivas à firma alemã J. A. Maffei. Essas locomotivas, especialmente adaptadas para fazer essa curva, eram do tipo Prairie, portanto com 2 rodas-guia, 6 rodas motrizes, e mais 2 rodas portantes (2-6-2). Vieram adaptadas para queimar não carvão, mas sim óleo (não aquele óleo comum, mas tipo BPF, óleo grosseiro utilizado para fazer asfalto), provavelmente em virtude da dificuldade em importar carvão. Essa operação continuou até a inauguração da eletrificação, já em 1937, pois os novos trens elétricos já não necessitavam de manobras para inverter o sentido - possuíam cabines em ambas as pontas.

Imagem do catálogo da J. A. Maffei, referente às locomotivas especialmente construídas para a Central do Brasil. Na legenda em alemão, consta a especificação para curvas muito fechadas.

A prairie recém-saída da manobra no contorno.

Prairie da Maffei fazendo trem de subúrbio.

Posteriormente fora construído o novo prédio da estação D. Pedro II, que até hoje impressiona com a imponência de seu desenho e com seu grande relógio, e por conta disso o antigo prédio veio abaixo, acabando com qualquer vestígio da existência do circular além das escassas fotos comprovando seu lugar na história.

Época da construção do novo prédio da estação D. Pedro II, com o prédio antigo coexistindo com o mesmo, em primeiro plano.

Estação de Madureira. Os TUE's (Trens Unidade Elétricos), muito mais eficientes, foram gradualmente substituindo as antigas composições de madeira puxadas por locomotivas a vapor. Essa foto é testemunha do período de coexistência dos dos tipos de trens.