sexta-feira, 24 de maio de 2013

"One for all" - Três máquinas, um motor: FA-1, RS-3 e GE 244


FA-1 tracionando o Vera Cruz.  

Durante a era das locomotivas a vapor, no século XIX, havia nos EUA um grande fabricante: a Baldwin Locomotive Works. Nenhum fabricante de locomotivas no mundo daquela época fora tão grande e vendera tanto. Há quem diga que quase 80% das locomotivas a vapor vendidas na América eram Baldwin. Os outros fabricantes, temerosos, se uniram e formaram a American Locomotive Company – ALCo., e então ficaram duas grandes companhias concorrentes.

Os anos passaram, vieram as locomotivas elétricas da General Electric, muito mais eficientes, mas devido à complexidade da estrutura de uma linha eletrificada, as locomotivas a vapor continuaram a ser maioria absoluta. Porém, em meados do século XX, as locomotivas a diesel começaram a tomar cada vez mais espaço nas ferrovias americanas, e enquanto a Baldwin, absoluta, ainda achava que as máquinas a vapor continuariam sendo as melhores opções, a ALCo se uniu à GE para juntas produzirem locomotivas a diesel, a primeira fornecendo os equipamentos mecânicos, e a segunda, os elétricos.

A Central do Brasil iniciou sua dieselização com máquinas da ALCo, comprando quatro pequenas locomotivas modelo S-1 (“S” = Switcher = Manobreira) nos anos quarenta, por conta da dificuldade de importar carvão. Devido ao desempenho satisfatório, a EFCB comprou ainda na mesma década mais 38 locomotivas maiores, as RS-1 (Road-Switcher, locomotivas para todo serviço).

Uma pequena S-1, representante da primeira geração de locomotivas a diesel da Central.

O volume de cargas aumentava, e nos anos 50 a EFCB necessitava de locomotivas mais potentes. Nessa época a GE estava desenvolvendo um motor novo, denominado 244, com 12 cilindros em “V”, e que desenvolvia em torno de 1600HP. Devido às enormes encomendas do mercado interno dos EUA, os outros fabricantes de locomotivas a diesel estavam no limite da capacidade. A própria ALCo também tinha muito serviço, mas aceitou a encomenda da Central do Brasil através de sua planta no Canadá.

Dupla de RS-3.

Para a Central, as diesel-elétricas foram uma maravilha, pois operavam em unidades múltiplas, e eliminavam dois dos maiores temores dos maquinistas da época, em relação a acidentes com locomotivas a vapor – explosão da caldeira, ou morrerem escaldados com a água fervendo da mesma, em caso de descarrilamento. Outra vantagem, de ordem econômica, era a eficiência por terem tração elétrica, sem necessidade das custosas obras de infraestrutura necessárias para as locomotivas puramente elétricas, embora essas últimas tivessem o preço e a manutenção mais baratas. Criou-se então uma situação inusitada no parque de tração da EFCB: três modelos distintos de locomotiva, com a mesma “alma”, o motor 244.

FA-1:

Duplex de FA-1 com o Santa Cruz em Roosevelt, SP. Ao fundo outra FA-1.

As FA-1 foram as primeiras locomotivas com motor 244 no Brasil. Compradas em 1948, juntamente com as últimas quatro RS-1 e com as elétricas Escandalosas, tinham um perfil aerodinâmico que lhes rendeu o apelido de Biribas, em homenagem ao cachorro mascote do time de futebol Botafogo.


Foram compradas 12 unidades, que tracionavam trens de passageiros e cargas. A partir de 1950, com a chegada dos carros de aço inox dos expressos Santa Cruz e Vera Cruz, tornaram-se as locomotivas principais para esses dois trens. Utilizavam a primeira versão do 244, que apresentou alguns problemas, como trincas e superaquecimento. Por conta disso, sofreram mais com o passar dos anos do que os outros dois modelos. Atualmente só existe uma, em avançado estado de deterioração, numa das plataformas da estação Barão de Mauá, no RJ.

RS-3:

RS-3 em Roosevelt. Elas já vieram com pintura azul e amarelo, e o escudo pintado na cabine, ao invés do famoso brasão em bronze.

As Road-Switcher RS-3 vieram para fazer trens de carga, embora fizessem esporadicamente trens de passageiros. Foram apelidadas de Canadenses, pelo fato de algumas terem sido feitas naquele país. Na Serra do Mar cumpriram seu dever magistralmente, puxando em duplex composições de 1000 toneladas, o equivalente às Escandalosas, que sofriam de baixo peso aderente, embora bem mais potentes.



Foram compradas 48 unidades em 1952, e até hoje alguns exemplares funcionam como trens de manutenção das linhas de subúrbio, tanto no RJ quanto em SP. Devido ao desempenho das FA-1, os motores 244 das RS-3 vieram com modificações, o que garantiu tamanha confiabilidade e robustez.

As 244 “Híbridas” da bitola métrica:

Triplex de 244 Híbridas. Note o escudo em bronze debaixo da janela da cabine.

Essas locomotivas surgiram de uma série de questões referentes à dieselização da parte norte das linhas da Central do Brasil a partir de Belo Horizonte, que eram em bitola métrica e contavam com sérias restrições de gabarito. Deviam ser capazes de tracionar até 440 toneladas em rampas de 2,5% e curvas de míseros 80 metros de raio. A GE apresentou uma solução capaz de cumprir todos esses requisitos, e ainda utilizando o motor 244 das locomotivas de bitola larga, o que facilitaria em muito a manutenção, uma vez que todo o parque da EFCB seria padronizado.

Nessa imagem, é possível ver uma Híbrida ainda com a pintura azul e amarelo, que logo seria substituída pelo padrão da RFFSA.

As máquinas, sem nome específico de modelo, vieram em 1953, um ano depois das RS-3, e receberam o apelido de Híbridas por serem parte ALCo e parte GE. Vinham com truques de 3 eixos, que para melhor se inscreverem em curvas tão apertadas contavam com um curioso sistema que agia como uma espécie de “pêndulo”, especialmente desenvolvido para a linha. Mesmo assim, tiveram problemas de descarrilamento, e retificações na linha tiveram de ser feitas. Devido o uso de componentes mecânicos aproveitados das locomotivas maiores de bitola 1,60m, as Híbridas apresentavam a curiosa característica de serem mais altas que as outras locomotivas a diesel de bitola métrica, como as G12 e as U12B.

A diferença de altura entre a G12 e a Híbrida.

Trabalharam exclusivamente na chamada linha do sertão, a parte métrica da EFCB, embora algumas raras vezes tenham feito trens de passageiros na Vitória a Minas. Hoje em dia existem apenas três funcionando, uma servindo a uma fábrica de cimento em Montes Claros, uma na fábrica da GE em Contagem, e outra em uma metalúrgica em João Monlevade, todas em MG.

Nessa foto é bastante claro o aspecto geral da 244 Híbrida, inclusive as "pinças" do sistema de inscrição em curvas dos truques.


FA-1 com o Santa Cruz em Lorena, SP.


Acima e abaixo: RS-3 com trem de carga.










terça-feira, 21 de maio de 2013

As locomotivas MX620



As MX620 foram as sucessoras naturais das G12 nas linhas da antiga RMV. Sem nenhum apelo estético, porém confiáveis e valentes, ainda são a principal força nos piores trechos da linha.


Em 1975 foi criada pelo governo federal a CCPCL - Comissão Coordenadora da Política de Compra de Locomotivas, visando capacitar o Brasil com mais duas fábricas de locomotivas. Foi apontado por esta comissão que, a partir de 1980, o Brasil necessitaria de 300 locomotivas e 8 mil vagões por ano.
Até aquele momento, o único fabricante era a General Electric, em Campinas, com capacidade de 120 locomotivas por ano.

Surgem então:

“Villares” - Grupo General Motors (Electro-Motive Division-EMD, Estados Unidos) e GEC Traction (Inglaterra). Local: Araraquara, SP.

“Emaq” - MLW / Bombardier (Canadá) e MTE (França). Local: Magé, RJ.

Em 17 de Março de 1980 a Emaq entrega as duas primeiras locos MX620, com os números 1901 e 1902 para a RFFSA / SR2 (antiga R.M.V.), de uma encomenda de 74 unidades. O índice de nacionalização nas primeiras locomotivas foi de 12% e nas últimas de mais de 50%, com o preço de cada unidade girando em torno de US$ 1,3 milhões.



Devido a saldos na balança comercial com a Espanha, algumas locomotivas vieram pré-montadas pela CAF - Cia. Auxiliare de Fabricacion), recebendo na Emaq peças e componentes produzidos no Brasil. O mesmo não ocorreu com as locomotivas GM SD40-2, da qual vieram da Espanha (Macosa) 36 unidades prontas para entrar em serviço na RFFSA / SR3 (números 5211 a 5246).



Apesar de os componentes terem várias origens (Canadá, USA, Espanha, Brasil...), a locomotiva não apresentou nenhum problema sério em operação.

Estas locomotivas estão sediadas em:            

6101 a 6166 em Divinópolis, MG

6167 a 6174 em Lavras, MG

Operaram com tração tripla em trens de petróleo / cimento / grãos na rota Belo Horizonte - Brasília, recebendo auxílio de mais 1 locomotiva entre Tigre e Campos Altos, para transpor o trecho pesado da Serra do Tigre com 30 vagões carregados.



Na rota de Arcos (MG) a Volta Redonda (RJ) operavam em tração dupla substituindo 4 locomotivas G12 antes empregadas para rebocar o trem de 22 a 24 vagões de calcário para a CSN. Quando havia sobra de G12's no trecho, a mesma era acoplada às MX para vencer as rampas pesadíssimas da serra da Mantiqueira entre Lavras e Augusto Pestana, com 1.260 metros de altitude. Estudos feitos pela RFFSA apontaram o peso ideal para as MX620 em 120 toneladas, e não 96 toneladas, como foram construídas. Com esse peso a locomotiva tem sua capacidade (esforço de tração) aumentada e pode movimentar um trem mais pesado.



Atualmente elas são operadas pela concessionária FCA, ainda prestando serviços nas fortes rampas das linhas mineiras. Existem estudos para a troca dessas máquinas, que devido à idade começam a perder força e confiabilidade, mas nenhuma substituta até agora conseguiu se manter tão bem quanto as veteranas MX, que ainda reinam absolutas na rota do calcário, além de cumprirem suas tarefas nas outras partes da linha, onde as grandes locomotivas articuladas não podem trafegar por restrição de gabarito.









sábado, 18 de maio de 2013

Ferrovias "apertadas" IV - A Rêde Mineira



Pátio em Ribeirão Vermelho.

O estado de Minas Gerais tem como uma de suas características as linhas de trem. Isso está historicamente tão intrínseco na cultura mineira que chega a fazer parte do dia-a-dia sem sequer muitos percebam, afinal é famoso em Minas utilizarem a palavra “trem” como força de expressão para variados fins.

Estação Fama, do ramal de Muzambinho. Esse trecho foi suprimido e submerso por conta da construção de uma usina hidrelétrica.

Isso logicamente tem a ver com a quantidade de estradas de ferro que cortaram e ainda cortam todo o estado. Assim como o Rio de Janeiro e São Paulo, também teve ao longo de sua história diversas companhias ferroviárias, formando uma verdadeira rede. Um exemplo grandioso disso é a já falada E. F. Leopoldina, extensa e complexa companhia que teve seu início por lá, além da Central do Brasil, que corta o estado do sul ao norte com sua “linha do centro”, além da muitíssimo famosa E. F. Vitória à Minas. Já do lado oeste da Central do Brasil, uma outra companhia ficou bastante conhecida, tanto por sua extensão quanto por suas características pitorescas: a Rêde Mineira de Viação.

Pátio de Angra dos Reis. O fim da linha da Rêde Mineira era no litoral do RJ.

Considerada como “a mais mineira das ferrovias”, também angariou na época um título inspirado nas iniciais da companhia, R.M.V.: Ruim, Mas Vai. De fato, observando o traçado da mesma, é fácil de notar o porquê. O estado de Minas Gerais é composto por um terreno extremamente irregular e montanhoso, e se atravessar essa terrível barreira natural com recursos já é complicado (a Ferrovia do Aço é o exemplo máximo disso), fazer isso com poucos, e no século XIX fora um esforço hercúleo.

Locomotiva elétrica atravessando o rio Paraíba do Sul em Barra Mansa.

A R.M.V. foi criada em 1931, resultado do encampamento de diversas ferrovias deficitárias do estado mineiro, entre elas a também famosíssima E. F. Oeste de Minas, cuja história se confunde com a da própria Rêde Mineira, além de outras menores, como a Viação Férrea Sapucaí, Estrada de Ferro Minas e Rio e Estrada de Ferro Muzambinho. Com isso, a companhia se estendia até o litoral através da linha Barra Mansa – Angra dos Reis, que fazia parte da linha-tronco; e fazia conexão com São Paulo em Cruzeiro, com a Central do Brasil; e Jacutinga e Juréia, através da Mogiana. Em Uberaba e Araguari, encontrava-se novamente com a Mogiana, sendo que nessa última cidade também se ligava à E. F. Goyaz.

Uma das elegantes locomotivas GELSA posando para foto. A carreira delas na RMV foi curta, pois não se adequaram ao gabarito da via. Diz-se que após saírem montadas da oficina, na primeira curva abriram os trilhos. Foram para a Noroeste do Brasil, e por fim para a Bolívia.

Trem de passageiros, já na época da RFFSA.

O relevo acidentado forçava a inúmeras curvas em “S”, e era extremamente raro ter trechos onde as retas ultrapassassem 1 Km de comprimento. Além disso, as linhas transpunham três grandes serras: a Serra do Tigre, a Serra da Mantiqueira e a Serra do Mar, sendo a segunda o pior trecho. As Rampas de até 4% de elevação no trecho da Mantiqueira (para cada cem metros percorridos, ganha-se quatro de altura, o que é muito forte para um trem vencer) fizeram com que a Oeste de Minas eletrificasse parte do trecho, entre Barra Mansa e Minduri, o que traz um diferencial em relação às outras ferrovias de gabaritos modestos que já tratei antes. Fora a maior linha eletrificada em 1.500 V no Brasil. Posteriormente o trecho eletrificado chegou até Belo Horizonte, mas em 3.000 V, padrão nacional, o que fazia ocorrer uma quebra de voltagem em Minduri durante anos, até a conversão de toda a linha para a voltagem padrão.


Acima e abaixo: locomotiva elétrica Siemens para 1500 V.


No decorrer da segunda metade do século XX, as grandes ferrovias passaram a substituir as locomotivas a vapor pelas modernas diesel-elétricas, mas na R.M.V. essa mudança demorou mais. Não por falta de necessidade, mas sim por falta de melhor administração. Muitos trechos foram erradicados sem sequer avistarem máquinas que não fossem a vapor. Nos anos 50 a companhia foi devolvida à União, e com a administração das ferrovias nas mãos do governo federal, passou a se chamar Viação Férrea Centro-Oeste. Nessa época que chegaram as primeiras locomotivas a diesel, entre as quais as famosas e valentes G12.


As então onipresentes G12 também reinaram absolutas nas linhas mineiras no início da era diesel das mesmas.

G12 transportando calcário para a CSN.

Atualmente boa parte da R.M.V. foi erradicada, porém seu caso não foi tão dramático quanto das outras ferrovias apertadas. Recebendo diversas retificações ao longo dos anos, boa parte ainda conta com tráfego regular de trens, porém só de carga. As antigas curvas, com raio de 90m, foram padronizadas para 100m, o que ainda é modesto, mas é compatível com os padrões atuais da bitola métrica no Brasil. O calcário necessário para a Companhia Siderúrgica Nacional ainda é transportado pela linha tronco da estrada de ferro, enquanto o interior e Goiás escoam sua produção para o porto da Vale através dos trechos mais ao norte, que se conectam à Belo Horizonte.

Trem com carros-lotação, parecidos com bondes. Além desse, dois outros aspectos chamam atenção na imagem: os postes da rede aérea, para locomotivas elétricas, e a linha de bitola mista, de 1 metro e de 76cm.

Locomotiva elétrica Metropolitan-Vickers, de 3000 V. Detalhe para os postes de eucalipto, seguindo o exemplo da Companhia Paulista.


Eis um pequeno e breve panorama sobre as ferrovias do lado oeste de Minas Gerais, linhas sinuosas que podem servir de grande fonte de inspiração para os ferromodelistas brasileiros, pois fora e é até hoje uma ferrovia diversa. Afinal, associadas à ela estão máquinas a vapor, diesel e eletricidade, de pequenas locomotivas de pouco mais de 40 toneladas às modernas diesel articuladas de quase 200 toneladas, linhas que atravessam morros, margeiam rios, cortam cidades pequenas e metrópoles, trens de passageiros representados em inúmeros casos e “causos”. Sim, uma ferrovia brasileira completa, em essência e história. 

Uma G12 e uma G8, na difícil subida da serra a partir de Cruzeiro - SP.

As paisagens da linha Barra Mansa - Angra dos Reis era de tão grande beleza que por um tempo foi servida de um trem turístico.

Ponte na divisa entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais, na linha tronco.

Atualmente as linhas de Minas em grande parte recebem o tráfego de enormes locomotivas a diesel com truques articulados, especialmente adaptadas para rodarem em ferrovias com restrições de gabarito.










sábado, 11 de maio de 2013

O Cruzeiro do Sul

Dístico do Cruzeiro do Sul, num carro ainda no pátio do fabricante, nos EUA.


Essa postagem é sobre um dos mais curiosos trens da história do país. Um verdadeiro paradoxo entre a fama e o anonimato. O Cruzeiro do Sul, que por duas décadas fora o trem mais expressivo do país, não deixou nada além de lendas e casos, pois sequer uma foto do mesmo existe.

A história do mesmo começa em 1929. Ano famoso pela crise econômica, fora para a Estrada de Ferro Central do Brasil um marco em relação à qualidade de seus serviços no eixo Rio-São Paulo. Até um ano antes, 1928, a totalidade de carros de passageiros no Brasil era confeccionada em madeira. Coube à Companhia Paulista de Estradas de Ferro adquirir os primeiros carros de passageiros com caixa em aço carbono, não só do Brasil, mas de todo o hemisfério sul, encomendados à American Car Foundry - ACF. Um ano depois, era a vez da Central do Brasil e da Viação Férrea Rio Grande do Sul adquirirem seus carros de aço, sendo os da VFRGS encomendados à Pullman Car & Manufacturing, enquanto que os da Central foram encomendados à ACF também. No caso dessas duas companhias, os carros vieram especificamente para cumprir a função de trens expressos noturnos, padronizados e nomeados, a fim de transparecer seu caráter requintado e luxuoso. O da VFRGS viria a se chamar Farroupilha, enquanto o da EFCB seria denominado Cruzeiro do Sul.

Imagem comercial do serviço. A imagem é meramente ilustrativa, não mostra o trem tal como era. Aliás, não existem registros fotográficos conhecidos da composição completa...

A Central encomendou um total de 15 carros, sendo 12 dormitórios e 3 bagagem-buffet, de forma a formarem 3 composições de quatro carros-dormitório e um buffet, um saindo de São Paulo, outro do Rio, e a terceira composição para revezamento, ou no caso de necessidade de manutenção. As cores, em azul com teto claro e frisos dourados, guarda grande semelhança com o padrão dos carros do Orient Express. Semelhança essa que deveria ter sido proposital da parte da diretoria da Central, a fim de evocar um apelo ao luxuoso e ao requinte. No buffet, mesas dispostas de forma assimétrica e irregular, para dar um ar mais descontraído, enquanto as cabines, com beliches, tentavam passar ao máximo uma sensação de privacidade. Todos os carros, para maior conforto, eram equipados com truques de 3 eixos, de forma a distribuir melhor o peso e ao mesmo tempo dar mais suavidade. Havia diferenças no desenho desses carros em relação aos da CPEF, como a ausência do clerestório (o grande ressalto no centro do telhado de uma ponta a outra do carro, elevando essa parte central e permitindo entrar melhor a luz e ventilação) além pontas das laterais, onde ficam as portas, serem chanfradas. Provavelmente essas modificações foram decorrentes de restrições de gabarito, uma vez que o ramal de São Paulo, mesmo com a bitola alargada, ainda conservava os túneis originais da antiga estrada de ferro, além de um traçado de curvas muito apertadas.

Pelos relatos, e análise de documentação, sabe-se que os carros eram pintados de azul escuro, com frisos provavelmente dourados, uma configuração muito parecida com a desses carros do Orient Express...

Ambas as imagens, acima e abaixo, são do fabricante, e representam os carros Dormitório e Buffet-Bagagem, respectivamente.



Fora o primeiro serviço ferroviário a contar com capacidade limite fixa, 72 lugares por viagem. Na época, o serviço aéreo era inexpressivo, e as rodovias ainda estavam em seu princípio, portanto o Cruzeiro do Sul era a opção mais requintada a unir os dois principais centros do país. Sim, era o serviço mais luxuoso do Brasil, e era procurados principalmente por ricaços, políticos de altos cargos e grandes fazendeiros de café. A dica de viagem a fim de esbanjar ao máximo era pegar o Cruzeiro do Sul em São Paulo com destino ao Rio de Janeiro, e na manhã seguinte pegar um outro trem especial, direto para Santa Cruz, e então embarcar no Zeppelin.

Interior do carro bagagem-buffet. 

O trem era puxado pelas locomotivas mais rápidas da Central, sendo a mais famosa a 353, uma Pacific adquirida na época, com 3 cilindros, que marcara o recorde ferroviário a vapor no Brasil, de 139 Km/h. O reinado do Cruzeiro do Sul fora absoluto até 1950, quando chegaram os carros em aço inoxidável, encomendados à Budd Company, muito mais modernos e luxuosos. Ficara então o Cruzeiro do Sul rebaixado a serviços noturnos secundários, até ter uma sobrevida como Noturno Mineiro, fazendo o trajeto RJ- Belo Horizonte. Nessa época sofreu algumas modificações, como truques mais modernos e de 2 eixos, além dos carros bagagem-buffet terem sido transformados em carros restaurantes. Aposentado também desse serviço, foi relegado à trens de serviço e manutenção, assim servindo até sua aposentadoria total.

Deixados em diversos pontos, como no Horto, Engenho de Dentro e Marítima, o Cruzeiro do Sul parecia fadado a sumir no esquecimento total, corroído pela ferrugem e o tempo, quando um revés fez sua história ressurgir do limbo. A 353 fora restaurada em São Paulo, enquanto que outra Pacific da Central, a 370, fora achada depois de 40 anos escondida num galpão, a fim de ser salva do maçarico, e também foi restaurada. Dos carros restantes, os que se encontram em Marítima foram incluídos no programa de reforma dos armazéns dessa antiga estação na zona portuária do Rio de Janeiro. São apenas dois, mas ao menos servirão de monumento. E pouco a pouco ressurge a história desse elegante vulto histórico que deixou tão poucos registros...

Nessa foto mostra-se os carros ACF, mas já modificados e prestando serviço como Noturno Mineiro, não tendo mais suas características originais.

Imagem em cores do pátio da estação de Belo Horizonte. Nota-se o carro azul se destacando entre os outros, de madeira e pintados de vermelho-óxido. (foto: Leonardo Bloomfield, 1960).

A locomotiva 353, apelidada de "Velha Senhora", posando para a foto muito bem restaurada.