A república e a Central do Brasil:
Uma das Praire encomendadas à Maffei, especialmente para serviços de subúrbio.
Com a Proclamação da República, a estrada
de ferro mais uma vez mudou de nome, passando a se chamar pela nomenclatura
mais conhecida: Estrada de Ferro Central do Brasil, constituindo o elo entre as
três regiões mais importantes da federação – Minas Gerais, Rio de Janeiro e São
Paulo. Infelizmente, mesmo sendo a ferrovia mais importante do país – seja por
abrangência, seja pelo viés político –, o caráter estatal da companhia sempre
lhe foi desfavorável, por torná-la pouco dinâmica em relação a outras estradas
de ferro, em especial a Companhia Paulista. O reflexo disso era visível na
morosidade de compra de novos equipamentos, além da falta de adequada
manutenção, tanto do material rodante, quanto das próprias linhas. Problemas
como atrasos, avarias, acidentes já eram comuns no início do século XX, assim
como o tráfego de composições que, abarrotadas de pessoas, as transportava
penduradas nas janelas e portas dos carros de passageiros. Um tremendo risco
que, não raras vezes, ocasionava muitas fatalidades.
Aspecto da linha na virada do século. Detalhe para a passagem em elevado para os bondes - créditos na foto.
Mesmo que problemático, o serviço
suburbano oferecido pela Central do Brasil já era um modelo definido, posto em
pauta e, no momento, o único do tipo, comparado a todas as outras ferrovias do
país. Ademais, o corpo técnico da ferrovia federal era de primeira linha, e
tentava-se, na medida do possível para os parâmetros de uma estatal, resolver
essas questões impertinentes oriundas do descompasso entre a demanda crescente
e as melhorias exigidas para suprir essas tais. De fato, a questão da
movimentação de pessoas tinha tal destaque no leque de serviços da estrada de
ferro que já era almejado o uso de eletricidade – última palavra em questão de
economia de combustível na época, ainda mais para um país cujas poucas reservas
de carvão, além de localizadas e longínquas, não era de boa qualidade, o que
obrigava as ferrovias a se utilizarem de lenha, com pouco rendimento, ou
comprarem carvão importado, o que era caro e suscetível às instabilidades do
comércio internacional. E este último era o caso da Central do Brasil.
Pátio da estação de Deodoro. As linhas à esquerda, em curva, são do ramal de Mangaratiba, que atualmente vai apenas a Santa Cruz. As linhas à direita vão para Japeri.
Essa questão já fora levantada em 1904,
pelo então diretor da companhia, depois de viagens à Europa e aos Estados
Unidos, onde estivera diante da eficiência da eletricidade para a alimentação
dos trens de passageiros de subúrbio, que já naquele ano a Central do Brasil marcava
números na ordem de 15 milhões de pessoas transportadas em suas linhas, tudo
isso através de composições antiquadas para o serviço, com carros em madeira
com pequenas portas e apenas nas extremidades, puxadas por máquinas a vapor,
muitas já antigas, ainda da época do Império. Entretanto, a iniciativa para tal
empreendimento foi marcada por inúmeras propostas sem consenso, que aliadas à
falta de caixa e o alto preço da construção da infraestrutura necessária para o
tráfego de trens elétricos, além da burocracia inerente aos projetos públicos,
fez com que a mesma fosse adiada por longos anos, até a década de 1930.
Estação Silva Freire, em seu início.
Com ou sem eletrificação, era necessário
sanar os problemas que a estrada de ferro padecia, e enquanto os trens movidos
a eletricidade ainda eram sonho distante, havia de se fazer obras a fim de
amenizar a situação das então composições a vapor. Na gestão do engenheiro
André Gustavo Paulo de Frontin, a partir de 1906, está boa parte dessas obras
de retificação das linhas da Central. Um dos problemas era o tempo gasto com as
manobras dos trens, que ao chegarem a seu ponto final, deviam ter seu sentido
invertido para retornarem. Isso em condições normais era um processo trabalhoso
e demorado, que exigia o uso de locomotivas adicionais para fazê-lo, o que
piorava a situação. A solução adotada por Paulo de Frontin fora a construção de
peras ferroviárias nos pontos finais das linhas, assim o trem apenas contornava
esse pequeno trecho semicircular e já estaria pronto para retornar, sem manobras
e desengates de composição. Essas vias de retorno eram conhecidas como circulares, e foram construídas próximo
às estações de Bangu, Madureira, e Santa Cruz, além de uma por dentro da
própria estação D. Pedro II[1].
Essa configuração também fora adotada pela Estrada de Ferro Leopoldina para seu
serviço de trens suburbanos, nas localidades de Penha e Duque de Caxias.
Dr. André Gustavo Paulo de Frontin.
O túnel 12, e seu "gêmeo", chamado 12-bis, este construído pelo projeto de Paulo de Frontin. Idealizados para futuramente receberem a rede aérea para trens elétricos, foram construídos com uma altura relativamente boa. Mal saberia Frontin que um século depois, por conta de sua ideia, podem-se trafegar trens puxados pelas enormes locomotivas modernas, sem ter precisado de alterações de gabarito nos túneis. - créditos da foto: Máfia do CTC.
Outras obras consistiram na remodelação
do traçado das vias, além da duplicação do trecho da Serra do Mar entre Japeri
e Barra do Piraí, a fim de dar conta do tráfego cada vez maior na linha, devido
ao gradual crescimento da exploração de minério em Minas Gerais, e incluiu o
alargamento e duplicação dos numerosos túneis, inclusive o de número 12, o
maior de toda a estrada de ferro, cuja nova abertura foi finalizada em 11 meses
e meio, contra os sete anos da mais antiga. Todas essas já foram idealizadas
com o objetivo de futuramente receber eletrificação, mostrando que embora
postergada, a implantação da mesma era certa. Houve também aquisição de novo
material rodante, como um lote de cerca de 16 locomotivas encomendadas à firma
alemã J. A. Maffei, destinadas especificamente para o serviço de trens
suburbanos, projetadas para o tráfego nas linhas circulares e já configuradas
para a queima de óleo combustível, ao invés de carvão – tendência que seria
adotada por outras ferrovias tempos depois. Também houvera investimentos em
novos serviços de sinalização, como a construção de novas cabines e reforma do
sistema de desvios e semáforos para as vias de manobra.
Outra ação de Paulo de Frontin foi a instalação de nova sinalização nas linhas da Central do Brasil, para comportar o crescente aumento de trens.
Em Agosto de 1909, atendendo a uma
mensagem do presidente Nilo Peçanha, a Câmara dos Deputados chegou a aprovar
uma concorrência pública para a eletrificação da mesma, mas fora arquivada
meses mais tarde pelo Congresso. Em 1912, um novo apelo foi feito, pelo próprio
Paulo de Frontin, mas a questão continuara num impasse. A Primeira Guerra
Mundial ainda piorou as coisas, uma vez que a mesma afetara os países
fornecedores da matéria prima, o que gerou uma enorme crise para a Central do
Brasil. Enquanto isso a demanda só aumentava, e em 1917 o número de passageiros
já era calculado em 28 milhões, quase o dobro de 1904, época das primeiras
ideias acerca do uso da eletricidade. Somente no ano seguinte sairia um projeto
mais articulado, resultado das crises e da degradação progressiva dos trens,
cada vez mais abarrotados de passageiros vindos dos subúrbios cada vez mais
povoados. Em 1919 seria promulgada a lei de nº 3674, autorizando efetivamente
os estudos necessários para as obras, e em 1921 a Central receberia as
primeiras propostas de candidatos da licitação, sendo quatro as participantes:
English Electric e Metropolitan Vickers, ambas da Inglaterra; General Electric,
dos Estados Unidos, e Monlevade & Cia., consórcio brasileiro envolvido com
o projeto de eletrificação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que já
estava sendo posto em prática no interior paulista. A vencedora fora a General
Electric, mas problemas políticos postergaram mais uma vez o curso do projeto.
Linhas em São Cristóvão.
Washington Luiz anulou em 1927 a
malfadada concorrência, e em 1929 fora aberta outra licitação. Enquanto isso o
número de passageiros transportados anualmente já apresentavam uma média de 47
milhões, que sofriam cada vez mais com o serviço, cuja verba da Central era incapaz
de suprir a manutenção dos velhos e lentos trens a vapor com carros de madeira[2].
As alternativas da população eram as precárias mas já presentes linhas de
ônibus, ou os bondes, que exigiam inúmeras baldeações. Em meados da década de
1930 o número subiu ainda mais, chegando a 80 milhões de passageiros por ano.
As composições, algumas já com média de 40 anos de idade, sofriam cada vez mais
com o excesso de pingentes, que já não hesitavam nem mesmo em andar pendurados
nas próprias locomotivas.
O início do crônico problema de superlotação dos trens - créditos na foto.
[1] A linha circular dentro da Estação D. Pedro
II fora construída em caráter quase emergencial, para desafogar o intenso
tráfego de trens de subúrbio. Consistia numa curva de 180°, com cerca de 60
metros de diâmetro, que atravessava o saguão do prédio antigo da estação,
passando em nível à frente das plataformas. Nos horários de intenso movimento,
os passageiros se utilizavam de um acesso que lhes permitia atravessar a linha
em segurança por debaixo da mesma.
[2]
Até 1928 toda a frota de carros ferroviários de passageiros era em madeira, até
a aquisição de 22 carros em aço carbono da American Car and Foundry Co. pela
Companhia Paulista de Estradas de Ferro, sendo os primeiros carros em aço da
América do Sul. Em 1929 foi a vez da Viação Férrea Rio Grande do Sul e da
Central do Brasil adquirirem os seus, sendo esta última a compradora de 15
unidades para compor o noturno de luxo entre o Rio de Janeiro e São Paulo,
conhecido como o Cruzeiro do Sul.
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