quarta-feira, 3 de abril de 2013

Ferrovias "apertadas" II - A Leopoldina



Escolhi como segunda ferrovia dessa série uma que é bastante famosa. É deveras complicado falar da Leopoldina numa só postagem, pois fora uma linha muito grande e muito complexa, resultado da absorção de diversas ferrovias ao longo do tempo, e possuidora de uma história muito rica, embora também muito confusa. Mesmo assim, me lanço nesse trabalho por ter uma estima especial por ela, visto que cresci próximo ao leito dela, portanto de certa forma fez parte da minha vida.


A Estrada de Ferro Leopoldina era uma das mais antigas do Brasil. Bem, isso como companhia em si, pois a mesma posteriormente absorveu o antigo trecho da E. F. Mauá, a primeira ferrovia do Brasil, então poderia ser considerada a mais antiga (vejam como já começa confusa a descrição dessa companhia). Desconsiderando esse fato, a companhia em si lançou seus próprios trilhos em 1874, sendo a primeira ferrovia implantada no estado de Minas Gerais. Não tardou para apresentar problemas financeiros, indo parar nas mãos dos ingleses.

Aspecto do pátio da Estação Barão de Mauá, no Rio.

Bem, a falta de dinheiro já era presente desde o início da mesma, e a escassez de investimentos foi um problema crônico que essa estrada de ferro enfrentou por toda sua existência. Mesmo assim, se tornou uma das mais extensas ferrovias do país, possuindo mais de 3.200 Km de linhas, se espalhando pelos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Isso se deve em parte porque a mesma adquiriu quase 40 pequenas companhias ferroviárias ao longo do tempo. Logicamente adquirir ferrovias pequenas no Brasil supõe que as mesmas apresentam as características básicas de construção, já apresentadas no capítulo anterior dessa série. Porém, o caso “leopoldinense” foi ainda pior que o da Mogiana.



Para ter uma melhor noção, é necessário averiguar que o relevo que a Leopoldina abrangia era muito complicado. Ao contrário da Mogiana, ela tinha conexão com portos marítimos, e não apenas fluviais. Portanto, para se chegar a eles era necessário atravessar uma terrível barreira: a Serra do Mar. Uma parte extensa do Rio de Janeiro se apresenta como uma baixa planície, até que em certo ponto para o interior ergue-se essa monstruosa barreira íngreme, numa discrepância tão grande que é possível ver essa enorme cadeia montanhosa a dezenas quilômetros de distância. Essa barreira, no início da história ferroviária nacional, foi o que impossibilitou nosso herói máximo do mundo ferroviário – o Barão de Mauá – a chegar com sua ferrovia até Petrópolis, fato só consumado por outra companhia anos depois, a E. F. Príncipe do Grão-Pará. Depois, foi a vez da E. F. do Cantagallo subir a serra por Nova Friburgo, ambos os casos se valendo de cremalheira, um sistema onde um terceiro trilho dentado é colocado no meio do trilho normal, e locomotivas especiais dotadas de rodas dentadas levam o trem para cima, em rampas íngremes demais para trens normais transitarem.

Subida da cremalheira entre Vila Inhomirim e Petrópolis.

A Leopoldina, para ter acesso ao Rio de Janeiro, e consequentemente ao litoral, adquiriu a E. F. do Cantagallo - ferrovia pitoresca que por si só merece uma série de postagens sobre ela. Posteriormente, a própria Príncipe do Grão-Pará foi comprada, com ambas se conectando na cidade de Magé. Uma das características marcantes da Leopoldina é a ausência de uma linha tronco, pois sua forma de crescimento a transformou numa rede complexa e difusa, mais ainda que a Mogiana. Vejamos que, só para atravessar a Serra do Mar, ela dispunha de quatro vias: pela linha Recreio até Campos dos Goytacazes, por Nova Friburgo, por Petrópolis e finalmente pela Linha Auxiliar, que fora repassada à Leopoldina pela Central do Brasil, juntamente com a E. F. Maricá. Poderíamos até dizer que a linha Rio de Janeiro – Vitória constituía um tronco, mas na prática essa ligação direta não abrangia muito mais que o Expresso Cacique, trem de passageiros entre as duas capitais. Entre o Rio e Minas Gerais existiam duas linhas e depois se dividiam confusamente conforme chegavam ao norte. Um trecho dessa linha, entre Ouro Preto e Mariana, é utilizado como trem turístico.

Trem turístico da Vale no antigo trecho da Leopoldina.

No ponto de vista paisagístico, essa complexa ferrovia apresenta trechos diversos de tirar o fôlego, principalmente nos de serra, como os da Serra da Estrela, na subida de Petrópolis; os zigue-zagues de São Geraldo em Minas; entre Conceição de Macabu e Santa Maria Madalena e em Sumidouro, ambos no Rio de Janeiro; ou os pontilhões praticamente suspensos entre os paredões de granito da Serra do Soturno, próximo à Cachoreiro de Itapemirim. Há também as belas paisagens pela Linha Auxiliar, que por um tempo chegou a ter um trem turístico. No mais, a linha segue serpenteando as encostas dos morros ou nas margens do curso dos rios, seguindo entre belas paisagens rurais como plantações de café, ou cortando centros de cidades inteiros. As paisagens pitorescas são extremamente úteis para entusiastas do modelismo que buscam inspiração para as suas maquetes. O material rodante da ferrovia também é uma imensidão à parte. Tão extenso quanto a mesma, será tema de uma futura postagem sobre o assunto.

Trem no pontilhão da Serra do Soturno - ES. 


Locomotivas Garratt adquiridas para trechos de serra.

Infelizmente, assim como fora tão grande em tamanho, também foi igualmente grande na sua destruição. Sempre ruim de caixa, acabou arrendada pelo governo federal. Compôs parte da Rêde Ferroviária Federal S.A. até os anos 90, quando na privatização foi concedida à recém-formada Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). Atualmente, mais de 90% de sua extensão se encontra abandonada ou já erradicada, sobrando poucos trechos ativos como o ramal de Saracuruna, de trens suburbanos cariocas, e suas duas extensões operacionais: até Vila Inhomirim, na subida da Serra de Petrópolis e ponto final da primeira ferrovia brasileira; e Guapimirim, trecho da extinta E. F. Teresópolis. Há também um trecho no Espírito Santo sendo usado para trens turísticos, além do trecho já citado entre as duas cidades mineiras no qual percorre o Trem da Vale. Triste fim para uma ferrovia tão interessante.


Acima e abaixo: panfletos do trem turístico na Linha Auxiliar, entre Japeri e Miguel Pereira - RJ.


Trem Cacique passando em frente ao Maracanã. Atualmente esse trecho é o ramal de Saracuruna dos trens metropolitanos do Rio de Janeiro.








2 comentários:

  1. Toda a minha vida sempre foi ao lado da extinta Leopoldina, tanto viajando em trens urbanos quanto vendo os trens de Petrópolis, Friburgo, Teresópolis, ramais de Minas e Espirito Santo, sabendo os seus horários de passagem para assisti-los. Era feliz e não sabia.

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  2. Parabéns pelo conteúdo!! Obrigado pelas informações.
    Estive em Miguel Pereira vendo o Viaduto Ferroviário Engenheiro Paulo de Frontin, desativado e que virou ponto turístico. É uma belíssima obra.
    Recentemente também vi a locomotiva Leopoldina 11, em Petrópolis. Um patrimônio verdadeiramente importante.

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