Escolhi como segunda ferrovia dessa série uma que é bastante
famosa. É deveras complicado falar da Leopoldina numa só postagem, pois fora
uma linha muito grande e muito complexa, resultado da absorção de diversas
ferrovias ao longo do tempo, e possuidora de uma história muito rica, embora
também muito confusa. Mesmo assim, me lanço nesse trabalho por ter uma estima
especial por ela, visto que cresci próximo ao leito dela, portanto de certa
forma fez parte da minha vida.
A Estrada de Ferro Leopoldina era uma das mais antigas do
Brasil. Bem, isso como companhia em si, pois a mesma posteriormente absorveu o
antigo trecho da E. F. Mauá, a primeira ferrovia do Brasil, então poderia ser
considerada a mais antiga (vejam como já começa confusa a descrição dessa
companhia). Desconsiderando esse fato, a companhia em si lançou seus
próprios trilhos em 1874, sendo a primeira ferrovia implantada no estado de
Minas Gerais. Não tardou para apresentar problemas financeiros, indo parar nas
mãos dos ingleses.
Aspecto do pátio da Estação Barão de Mauá, no Rio.
Bem, a falta de dinheiro já era presente desde o início da
mesma, e a escassez de investimentos foi um problema crônico que essa estrada
de ferro enfrentou por toda sua existência. Mesmo assim, se tornou uma das mais
extensas ferrovias do país, possuindo mais de 3.200 Km de linhas, se espalhando
pelos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Isso se deve em
parte porque a mesma adquiriu quase 40 pequenas companhias ferroviárias ao
longo do tempo. Logicamente adquirir ferrovias pequenas no Brasil supõe que as
mesmas apresentam as características básicas de construção, já apresentadas no
capítulo anterior dessa série. Porém, o caso “leopoldinense” foi ainda pior que
o da Mogiana.
Para ter uma melhor noção, é necessário averiguar que o
relevo que a Leopoldina abrangia era muito complicado. Ao contrário da Mogiana,
ela tinha conexão com portos marítimos, e não apenas fluviais. Portanto, para
se chegar a eles era necessário atravessar uma terrível barreira: a Serra do
Mar. Uma parte extensa do Rio de Janeiro se apresenta como uma baixa planície,
até que em certo ponto para o interior ergue-se essa monstruosa barreira
íngreme, numa discrepância tão grande que é possível ver essa enorme cadeia
montanhosa a dezenas quilômetros de distância. Essa barreira, no início da
história ferroviária nacional, foi o que impossibilitou nosso herói máximo do
mundo ferroviário – o Barão de Mauá – a chegar com sua ferrovia até Petrópolis,
fato só consumado por outra companhia anos depois, a E. F. Príncipe do
Grão-Pará. Depois, foi a vez da E. F. do Cantagallo subir a serra por Nova
Friburgo, ambos os casos se valendo de cremalheira, um sistema onde um terceiro
trilho dentado é colocado no meio do trilho normal, e locomotivas especiais dotadas
de rodas dentadas levam o trem para cima, em rampas íngremes demais para trens
normais transitarem.
Subida da cremalheira entre Vila Inhomirim e Petrópolis.
A Leopoldina, para ter acesso ao Rio de Janeiro, e
consequentemente ao litoral, adquiriu a E. F. do Cantagallo - ferrovia
pitoresca que por si só merece uma série de postagens sobre ela.
Posteriormente, a própria Príncipe do Grão-Pará foi comprada, com ambas se
conectando na cidade de Magé. Uma das características marcantes da Leopoldina é
a ausência de uma linha tronco, pois sua forma de crescimento a transformou
numa rede complexa e difusa, mais ainda que a Mogiana. Vejamos que, só para
atravessar a Serra do Mar, ela dispunha de quatro vias: pela linha Recreio até
Campos dos Goytacazes, por Nova Friburgo, por Petrópolis e finalmente pela
Linha Auxiliar, que fora repassada à Leopoldina pela Central do Brasil,
juntamente com a E. F. Maricá. Poderíamos até dizer que a linha Rio de Janeiro –
Vitória constituía um tronco, mas na prática essa ligação direta não abrangia
muito mais que o Expresso Cacique, trem de passageiros entre as duas capitais.
Entre o Rio e Minas Gerais existiam duas linhas e depois se dividiam
confusamente conforme chegavam ao norte. Um trecho dessa linha, entre Ouro
Preto e Mariana, é utilizado como trem turístico.
Trem turístico da Vale no antigo trecho da Leopoldina.
No ponto de vista paisagístico, essa complexa ferrovia
apresenta trechos diversos de tirar o fôlego, principalmente nos de serra, como
os da Serra da Estrela, na subida de Petrópolis; os zigue-zagues de São Geraldo
em Minas; entre Conceição de Macabu e Santa Maria Madalena e em Sumidouro, ambos
no Rio de Janeiro; ou os pontilhões praticamente suspensos entre os paredões de
granito da Serra do Soturno, próximo à Cachoreiro de Itapemirim. Há também as
belas paisagens pela Linha Auxiliar, que por um tempo chegou a ter um trem
turístico. No mais, a linha segue serpenteando as encostas dos morros ou nas
margens do curso dos rios, seguindo entre belas paisagens rurais como
plantações de café, ou cortando centros de cidades inteiros. As paisagens
pitorescas são extremamente úteis para entusiastas do modelismo que buscam
inspiração para as suas maquetes. O material rodante da ferrovia também é uma
imensidão à parte. Tão extenso quanto a mesma, será tema de uma futura postagem
sobre o assunto.
Trem no pontilhão da Serra do Soturno - ES.
Locomotivas Garratt adquiridas para trechos de serra.
Infelizmente, assim como fora tão grande em tamanho, também
foi igualmente grande na sua destruição. Sempre ruim de caixa, acabou arrendada
pelo governo federal. Compôs parte da Rêde Ferroviária Federal S.A. até os anos
90, quando na privatização foi concedida à recém-formada Ferrovia
Centro-Atlântica (FCA). Atualmente, mais de 90% de sua extensão se encontra
abandonada ou já erradicada, sobrando poucos trechos ativos como o ramal de
Saracuruna, de trens suburbanos cariocas, e suas duas extensões operacionais:
até Vila Inhomirim, na subida da Serra de Petrópolis e ponto final da primeira
ferrovia brasileira; e Guapimirim, trecho da extinta E. F. Teresópolis. Há também
um trecho no Espírito Santo sendo usado para trens turísticos, além do trecho
já citado entre as duas cidades mineiras no qual percorre o Trem da Vale.
Triste fim para uma ferrovia tão interessante.
Acima e abaixo: panfletos do trem turístico na Linha Auxiliar, entre Japeri e Miguel Pereira - RJ.
Trem Cacique passando em frente ao Maracanã. Atualmente esse trecho é o ramal de Saracuruna dos trens metropolitanos do Rio de Janeiro.
Toda a minha vida sempre foi ao lado da extinta Leopoldina, tanto viajando em trens urbanos quanto vendo os trens de Petrópolis, Friburgo, Teresópolis, ramais de Minas e Espirito Santo, sabendo os seus horários de passagem para assisti-los. Era feliz e não sabia.
ResponderExcluirParabéns pelo conteúdo!! Obrigado pelas informações.
ResponderExcluirEstive em Miguel Pereira vendo o Viaduto Ferroviário Engenheiro Paulo de Frontin, desativado e que virou ponto turístico. É uma belíssima obra.
Recentemente também vi a locomotiva Leopoldina 11, em Petrópolis. Um patrimônio verdadeiramente importante.