sábado, 18 de maio de 2013

Ferrovias "apertadas" IV - A Rêde Mineira



Pátio em Ribeirão Vermelho.

O estado de Minas Gerais tem como uma de suas características as linhas de trem. Isso está historicamente tão intrínseco na cultura mineira que chega a fazer parte do dia-a-dia sem sequer muitos percebam, afinal é famoso em Minas utilizarem a palavra “trem” como força de expressão para variados fins.

Estação Fama, do ramal de Muzambinho. Esse trecho foi suprimido e submerso por conta da construção de uma usina hidrelétrica.

Isso logicamente tem a ver com a quantidade de estradas de ferro que cortaram e ainda cortam todo o estado. Assim como o Rio de Janeiro e São Paulo, também teve ao longo de sua história diversas companhias ferroviárias, formando uma verdadeira rede. Um exemplo grandioso disso é a já falada E. F. Leopoldina, extensa e complexa companhia que teve seu início por lá, além da Central do Brasil, que corta o estado do sul ao norte com sua “linha do centro”, além da muitíssimo famosa E. F. Vitória à Minas. Já do lado oeste da Central do Brasil, uma outra companhia ficou bastante conhecida, tanto por sua extensão quanto por suas características pitorescas: a Rêde Mineira de Viação.

Pátio de Angra dos Reis. O fim da linha da Rêde Mineira era no litoral do RJ.

Considerada como “a mais mineira das ferrovias”, também angariou na época um título inspirado nas iniciais da companhia, R.M.V.: Ruim, Mas Vai. De fato, observando o traçado da mesma, é fácil de notar o porquê. O estado de Minas Gerais é composto por um terreno extremamente irregular e montanhoso, e se atravessar essa terrível barreira natural com recursos já é complicado (a Ferrovia do Aço é o exemplo máximo disso), fazer isso com poucos, e no século XIX fora um esforço hercúleo.

Locomotiva elétrica atravessando o rio Paraíba do Sul em Barra Mansa.

A R.M.V. foi criada em 1931, resultado do encampamento de diversas ferrovias deficitárias do estado mineiro, entre elas a também famosíssima E. F. Oeste de Minas, cuja história se confunde com a da própria Rêde Mineira, além de outras menores, como a Viação Férrea Sapucaí, Estrada de Ferro Minas e Rio e Estrada de Ferro Muzambinho. Com isso, a companhia se estendia até o litoral através da linha Barra Mansa – Angra dos Reis, que fazia parte da linha-tronco; e fazia conexão com São Paulo em Cruzeiro, com a Central do Brasil; e Jacutinga e Juréia, através da Mogiana. Em Uberaba e Araguari, encontrava-se novamente com a Mogiana, sendo que nessa última cidade também se ligava à E. F. Goyaz.

Uma das elegantes locomotivas GELSA posando para foto. A carreira delas na RMV foi curta, pois não se adequaram ao gabarito da via. Diz-se que após saírem montadas da oficina, na primeira curva abriram os trilhos. Foram para a Noroeste do Brasil, e por fim para a Bolívia.

Trem de passageiros, já na época da RFFSA.

O relevo acidentado forçava a inúmeras curvas em “S”, e era extremamente raro ter trechos onde as retas ultrapassassem 1 Km de comprimento. Além disso, as linhas transpunham três grandes serras: a Serra do Tigre, a Serra da Mantiqueira e a Serra do Mar, sendo a segunda o pior trecho. As Rampas de até 4% de elevação no trecho da Mantiqueira (para cada cem metros percorridos, ganha-se quatro de altura, o que é muito forte para um trem vencer) fizeram com que a Oeste de Minas eletrificasse parte do trecho, entre Barra Mansa e Minduri, o que traz um diferencial em relação às outras ferrovias de gabaritos modestos que já tratei antes. Fora a maior linha eletrificada em 1.500 V no Brasil. Posteriormente o trecho eletrificado chegou até Belo Horizonte, mas em 3.000 V, padrão nacional, o que fazia ocorrer uma quebra de voltagem em Minduri durante anos, até a conversão de toda a linha para a voltagem padrão.


Acima e abaixo: locomotiva elétrica Siemens para 1500 V.


No decorrer da segunda metade do século XX, as grandes ferrovias passaram a substituir as locomotivas a vapor pelas modernas diesel-elétricas, mas na R.M.V. essa mudança demorou mais. Não por falta de necessidade, mas sim por falta de melhor administração. Muitos trechos foram erradicados sem sequer avistarem máquinas que não fossem a vapor. Nos anos 50 a companhia foi devolvida à União, e com a administração das ferrovias nas mãos do governo federal, passou a se chamar Viação Férrea Centro-Oeste. Nessa época que chegaram as primeiras locomotivas a diesel, entre as quais as famosas e valentes G12.


As então onipresentes G12 também reinaram absolutas nas linhas mineiras no início da era diesel das mesmas.

G12 transportando calcário para a CSN.

Atualmente boa parte da R.M.V. foi erradicada, porém seu caso não foi tão dramático quanto das outras ferrovias apertadas. Recebendo diversas retificações ao longo dos anos, boa parte ainda conta com tráfego regular de trens, porém só de carga. As antigas curvas, com raio de 90m, foram padronizadas para 100m, o que ainda é modesto, mas é compatível com os padrões atuais da bitola métrica no Brasil. O calcário necessário para a Companhia Siderúrgica Nacional ainda é transportado pela linha tronco da estrada de ferro, enquanto o interior e Goiás escoam sua produção para o porto da Vale através dos trechos mais ao norte, que se conectam à Belo Horizonte.

Trem com carros-lotação, parecidos com bondes. Além desse, dois outros aspectos chamam atenção na imagem: os postes da rede aérea, para locomotivas elétricas, e a linha de bitola mista, de 1 metro e de 76cm.

Locomotiva elétrica Metropolitan-Vickers, de 3000 V. Detalhe para os postes de eucalipto, seguindo o exemplo da Companhia Paulista.


Eis um pequeno e breve panorama sobre as ferrovias do lado oeste de Minas Gerais, linhas sinuosas que podem servir de grande fonte de inspiração para os ferromodelistas brasileiros, pois fora e é até hoje uma ferrovia diversa. Afinal, associadas à ela estão máquinas a vapor, diesel e eletricidade, de pequenas locomotivas de pouco mais de 40 toneladas às modernas diesel articuladas de quase 200 toneladas, linhas que atravessam morros, margeiam rios, cortam cidades pequenas e metrópoles, trens de passageiros representados em inúmeros casos e “causos”. Sim, uma ferrovia brasileira completa, em essência e história. 

Uma G12 e uma G8, na difícil subida da serra a partir de Cruzeiro - SP.

As paisagens da linha Barra Mansa - Angra dos Reis era de tão grande beleza que por um tempo foi servida de um trem turístico.

Ponte na divisa entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais, na linha tronco.

Atualmente as linhas de Minas em grande parte recebem o tráfego de enormes locomotivas a diesel com truques articulados, especialmente adaptadas para rodarem em ferrovias com restrições de gabarito.










2 comentários:

  1. Existem atualmente no Brasil no mínimo 8 bitolas ferroviárias, que são:
    I -1,60 m Na região sudeste SP, MG, RJ e em expansão pela Valec.
    II -1,43 m Ferrovia isolada Amapa-AP, linhas 4 e 5 metro de SP e metro de Salvador-BA (em implantação) ~210 km.
    III-1,35 m Bonde de Santos-SP turístico (Única no mundo).
    IV- 1,10 m Bonde Santa Teresa-RJ turístico/passageiros.
    V - 1,00 m Em praticamente todo território+bonde E.F.Corcovado-RJ e E.F. Campos do Jordão-SP turísticos.
    VI- 0,80 m Locomotivas Krauss da antiga Cia Docas de Santos.
    VII- 0,76 m Ligação São João Del Rey-Tiradentes-MG turístico.
    VIII-0,60 m Trecho Pirapóra-Perus-SP turístico (em restauração).
    Destas, apenas a de 1,0 m com 23.678 km (73%) e a de 1,6 m com 6.385 km (27%) já inclusos os 510 km de mistas são relevantes, conforme dados da ANTT de setembro de 2011.
    O governo federal tem acenado com muitos projetos utilizando trens de passageiros convencionais regionais em média velocidade max. 150 km/h como SP-Campinas, SP-Sorocaba, SP-Vale do Paraíba, SP-Santos,
    (Com cremalheira), entre outros, utilizando parte da estrutura existente, semelhante projeto em curso na Argentina, numa expansão gradual e econômica, porem nenhuma teve prosseguimento, pois seria uma forma prática de se demonstrar ao governo federal de como se é possível implantar de forma gradativa, um trem de passageiros de longo percurso com custo, manutenção e tempo de implantação extremamente menor em relação ao TAV.
    Entendo que deva haver uma uniformização em bitola de 1,6 m para trens suburbanos de passageiros e metro, e um provável TMV no Brasil,
    e o planejamento com a substituição gradativa nos locais que ainda não a possuem, utilizando composições disponíveis reformadas em 1,6 m em cidades como Teresina-PI, Natal-RN, Maceió-AL, João Pessoa-PB, Salvador–BA operadas que ainda as utilizam em bitola métrica, com base comprovada em que regionalmente esta já é a bitola nas principais cidades e capitais do Brasil, ou seja: São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília, Recife, e Curitiba (projeto), e que os locais que não a possuem, são uma minoria, ou trens turísticos.
    Quanto aos desgargalamentos, entendo que deva investir urgentemente para construir o rodoanel, juntamente com o ferroanel norte e leste por questão de menor custo, alem de se reservar as últimas áreas periféricas paralelas disponíveis para estações ferroviárias em SP, como o:
    I ª Pátio do Pari,
    II ª Área entre a estação da Luz e Júlio Prestes (Bom Retiro) no antigo moinho desativado, e recentemente demolido.
    III ª Cercanias da estação da Mooca até a Av. do Estado na antiga engarrafadora de bebidas desativada no município de São Paulo.

    (continua).

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  2. Caro amigo, essa foto da Estação de Fama (MG) é de meu acervo pessoal. Pode publicar, mas não se esqueça de mencionar que me pertence? Isa Musa de Noronha

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