segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Sobre as estradas de ferro do século XIX - parte I

A Estrada de Ferro Mauá se utilizava de uma bitola de 1,67 metros, a maior já utilizada no Brasil.

A despeito das primeiras estradas de ferro do país (Mauá, Recife - São Francisco, D. Pedro II e São Paulo Railway), projetadas em bitola larga, as posteriores tiveram preferência para gabaritos mais estreitos, com bitolas de valores próximos a 1 metro. Fora resultado de inúmeras discussões a respeito de como se daria a expansão desta tecnologia tão promissora e ao mesmo tempo tão pouco conhecida em terras brasileiras.

A E. F. Recife - São francisco foi a primeira a se utilizar da bitola de 1,60 m, que se tornaria o padrão para a bitola larga no Brasil até os dias de hoje. Mesmo assim, os altos gastos não foram compensados, e posteriormente ela fora rebitolada para 1 m.

Existiam defensores de projetos arrojados de expansão, como Christiano B. Ottoni, primeiro diretor da E. F. D. Pedro II e ferrenho estudioso da importância de uma rede unificada e integrando todo o Brasil. Por outro lado, a realidade enfrentada era de um país que desconhecia grande parte de seu próprio interior, e voltado principalmente para a exportação de produtos agrícolas, em especial o café. Na luta entre "larguistas" e "estreitistas", venceram os últimos pelo fato de que, para uma realidade econômica que sobrevivia a lombo de mulas, uma estrada de ferro mesmo que de dimensões mais modestas já era um notável avanço. Além do mais, as primeiras ferrovias provaram que os custos de uma bitola larga eram muito elevados, devido ao maior gasto de material para dormentes, lastro, pontes e aterros, cortes e túneis. Avançar interior adentro, em trechos montanhosos ou mesmo de terrenos muito irregulares, demandaria vultosos recursos, que talvez nunca fossem ressarcidos com os lucros provindos do transporte.

Ottoni estivera na direção da E. F. D. Pedro II desde sua formulação e por dez anos, e além disso fora o grande idealizador da integração nacional e do uso de bitola larga por esta poder transportar mais cargas. Infelizmente era um homem à frente de seu tempo, e enfrentou muita resistência por conta de suas ideias, que só passaram a ser de fato analisadas mais um século depois.

Por outro lado, bitolas estreitas, além da menor demanda de materiais, permitiam curvas mais fechadas, mesmo que isso na prática reduzisse a velocidade das composições. Mas ainda era melhor que mulas. O pouco volume a ser transportado também tornava desinteressante a continuação do uso de bitolas largas nas novas ferrovias, feitas por conta de interesses locais de grandes fazendeiros, que apenas queriam levar seus produtos aos portos. A falta de visão de longo prazo e de um espírito unificador foram sim responsáveis pelo surgimento das "ferrovias apertadas", porém, mais que isso, havia o problema real de que seria financeiramente muito arriscado galgar montes, vales e rios com enormes obras de arte apenas para buscar apenas alguns poucos vagões carregados.

Estação de Fama, aqui como um exemplo de linha de bitola métrica. Muitas vezes a pouca carga a ser transportava tornava a adoção deste tipo de bitola muito mais vantajoso.

Então, ficara definido que a bitola de 1 metro seria a mais ideal, utilizando-se a bitola larga de 1,60 m apenas na extensão da E. F. D. Pedro II, e na Companhia Paulista, que era uma espécie de extensão natural da São Paulo Railway. De fato, a primeira ferrovia a se utilizar de uma bitola estreita, a União Valenciana (no caso 1,10 m ) se mostrou extremamente econômica e em muito entusiasmou os interessados na abertura de novas estradas, tornando-se assim a regra a partir dos anos 70 do século XIX.

Muitas estradas de ferro de bitola métrica surgiram como ferrovias de interesse local, e se tornavam alimentadoras de outras maiores, principalmente as de bitola larga, onde o volume de cargas justificava financeiramente a bitola adotada, como é o caso da São Paulo Railway.

Durante esse período final do século XIX também houve grandes mudanças na escolha do material rodante a ser utilizado, preferindo o americano em detrimento do inglês, pois o primeiro se mostrara muito mais adequado às nossas ferrovias sinuosas e mal assentadas. A novidade americana de se utilizar um sistema de truques, ao invés dos eixos montados diretamente no estrado dos carros e vagões garantia muito mais estabilidade na inscrição das curvas. Nos carros de passageiros, a diferença estava na construção em apenas uma seção, e da presença do corredor central, ao invés de diversos compartimentos isolados entre si, acessados por várias portas laterais. Apenas a São Paulo Railway, de capital completamente inglês, se manteve essencialmente com as características britânicas de ferrovias, embora posteriormente tenha adotado material mais próximo ao americano.


Nos anos iniciais das estradas de ferro no Brasil, o material rodante era constituído principalmente de pequenas vagonetas de estilo britânico, onde o peso carregado não passava de 12 toneladas, tanto na bitola larga (acima) quanto na métrica (abaixo). 



A adoção de truques em muito aumentou a capacidade de carga que um vagão poderia transportar, como no caso esse vagão da Sorocabana, cuja lotação equivaleria a 2 vagonetas antigas cheias.










4 comentários:

  1. Matheus, parabéns. Outra excelente matéria.
    Afonso.

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    1. Muito obrigado, sr. Afonso. Em breve sairá a continuação!

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  2. Agradeço tudo o que já postou. E egoisticamente, aguardo outras. Sei que deve estar muito ocupado e também, tenho certeza de que realmente deves focar em teu desenvolvimento. Mas sinceramente, estamos com saudades.
    Aguardamos as próximas publicações.
    Abraços de seu amigo Afonso.

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    1. Obrigado pelo apoio. Realmente não é fácil conciliar tanto trabalho, ando muito ocupado, e este ano será muito atarefado para mim. Mas o blog não morreu, e continuarei de onde parei, assim que puder.

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