sexta-feira, 6 de setembro de 2013

As locomotivas "Garratt"

Imponente Garrat fabricada sob licença pela Henschel para a VFRGS. As seis unidades serviam principalmente para o expresso Farroupilha, o trem mais luxuoso da companhia, visto na imagem.

Provavelmente um dos modelos mais estranhos e interessantes de máquina a vapor, as garratts estiveram presentes em várias ferrovias do país. Mesmo assim, são pouco conhecidas pela maioria das pessoas.
O projeto desse tipo de locomotiva foi desenvolvido por Herbert William Garratt, um engenheiro ferroviário inglês com experiência nas ferrovias coloniais britânicas. A primeira patente se deu em 1907, e logo conseguiu uma parceria com a Beyer, Peacock and Company. No mesmo ano, fora produzida a primeira máquina do tipo, uma minúscula locomotiva de bitola 610 mm.

A primeira garratt, denominada K1.

Tecnicamente, a forma das locomotivas garratt é um tanto exótica em relação a uma locomotiva a vapor comum, sendo dividida em três partes: a caldeira fica numa travessa apoiada em dois tênders, um na frente e outro atrás. É nos tênders que ficam as rodas, sejam guias, motrizes e portantes, ficando a parte da caldeira com um aspecto de suspenso. Cada tender tem seu arranjo de rodas disposto como uma máquina a vapor comum, ficando a disposição delas no tender traseiro inversa ao dianteiro. Por conta disso, as garratts podem trafegar sem problemas em ambos os sentidos, sem necessitar de manobras para virá-las.

Primeira geração de garratts do Brasil, as 5 máquinas foram adquiridas pela Mogiana.

No Brasil, as primeiras garratts vieram para a Companhia Mogiana, em 1912. Ainda não eram máquinas grandes, pois a Mogiana usava bitola métrica em traçados bem modestos. Tracionavam os expressos mais longos, entre Campinas e Araguari, por conta de sua agilidade nas variações da linha. Aliás, o grande trunfo das garratts estava em ferrovias com traçados ruins. No Brasil, muitas ferrovias apresentavam a mesma equação indigesta a se solucionar: como ter uma locomotiva eficiente, com mais força, mas que não fosse pesada nem  rígida o suficiente para seus trilhos leves, curvas apertadas e subidas fortes? Para se ter mais força e tração é preciso ter mais aderência, o que se dá com mais peso, mas no início do século XX praticamente nenhuma ferrovia de bitola métrica do Brasil suportava em seus trilhos uma carga com mais de 10 toneladas por eixo. Então surgiram as garratts, cujo desenho lhes dava muito mais aderência sem aumento de peso total, uma vez que o combustível - água e lenha - ficavam em compartimentos em cima das roda motrizes, e não num vagão atrás, servindo de peso-morto. As garratts caíram como uma luva para a situação das ferrovias brasileiras.

Um exemplar das enormes garratts da São Paulo Railway para bitola de 1.600 mm. As maiores da espécie no Brasil. Na foto, é possível notar as três partes que formam o conjunto.

Garratt da Henschel para a VFRGS, em um trem de carga.

Posteriormente, ferrovias maiores também se interessaram pelo potencial das garratts, tendo sido feitas para uma diversidade de bitolas, inclusive a mais larga de todas, de 1.672 mm, marcando presença na Índia e Argentina, dois países que usam essa medida. No Brasil, elas estiveram presentes, além da Mogiana, na Leopoldina, Great Western (no Nordeste), na Bragantina, na Viação Férrea Rio Grande do Sul, e nas linhas de bitola larga da São Paulo Railway, além de uma o outra em ferrovias particulares. Além da Beyer Peacock, a firma alemã Henschel também obteve licença de produzir essas máquinas, sendo as da VFRGS e a maioria das da Great Western feitas por ela. Outras duas pertencentes a esta última ferrovia foram produzidas pela Armstrong Whitworth.

Uma enorme máquina feita para a companhia argentina Ferrocarril Buenos Aires al Pacífico, em bitola de 1.672 mm.

Outro grande exemplar, creio que para a África do Sul.

Se por um lado a agilidade e eficiência dessas máquinas era incomparável às outras máquinas a vapor (sendo inclusive chamadas de "escaladoras de montanhas" em alguns países), por outro, havia um problema notável no projeto: uma vez que seu peso total era resultado do peso da própria máquina mais do combustível e água que carregava, conforme ela ia gastando, automaticamente ficava mais leve, e perdia aderência. Mesmo assim, isso não foi o suficiente para comprometer a reputação dessas locomotivas. 

Modelo da E. F. Leopoldina, saindo do pátio de Praia Formosa e passando pela estação Barão de Mauá.

A era do vapor passou, e como qualquer máquina do tipo, as garratts foram tiradas de serviço no mundo todo. Atualmente, algumas ferrovias, como na Argentina, Austrália e África do Sul operam algumas para fins turísticos. No Brasil, apenas uma se salvou do sucateamento e corte por maçarico, sendo um exemplar da antiga Great Western, do último lote de aquisição de garratts no país, datado de 1951 e fabricação Henschel, que repousa no museu ferroviário da estação central do Recife, ao lado da primeira locomotiva a diesel do país, mostrando em si toda imponência e classe de sua extinta espécie.

Essa grande garratt da Henschel é a única que sobrou no Brasil, estando no Recife. Abaixo, publicidade do fabricante destacando a mesma:





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