quinta-feira, 6 de junho de 2013

O curioso caso do circular da D. Pedro II


O antigo prédio da estação D. Pedro II. Basicamente o mesmo desde o início da ferrovia.

E mais uma vez retornamos à Estrada de Ferro Central do Brasil. Este é um interessante caso que envolveu criatividade e originalidade por parte da engenharia da mesma para contornar uma situação complicada com os recursos disponíveis na época.

Aspecto do pátio da estação.

A Central do Brasil teve uma enorme importância no panorama histórico das ferrovias brasileiras. Já foi dito em outra postagem sobre seu caráter integrador, tanto econômica quanto politicamente. E nesse leque de atividades presentes nessa ferrovia, havia o transporte urbano. Pois bem, contando não apenas com o transporte de passageiros de média e longa distância, como as outras ferrovias, desde o século XIX a EFCB já desempenhava um importante papel na movimentação entre a metrópole carioca e os subúrbios.

Vista do interior da estação, com a linha do circular bem ao meio.

Entretanto, o crescente aumento de passageiros, aliado a problemas de manutenção e ou substituição de material rodante, e relacionados a inflexibilidade de uma típica companhia pública, fizeram surgir uma série de situações e problemas sérios. As linhas da Central necessitavam de uma revitalização, e seus trens estavam defasados e eram inadequados para um transporte urbano eficiente. Locomotivas ainda a vapor, com idades entre 30 e 40 anos, e carros de madeira com portas somente nas extremidades: eis o quadro do material rodante desta ferrovia em meados da década de 10 e 20 do século XX. A grade de horários com intervalos curtos era difícil de cumprir, devido às demoradas manobras necessárias para inverter o sentido de um trem comum. Desde muito, havia-se cogitado a eletrificação das linhas da Central do Brasil para o uso de trens metropolitanos elétricos - mas isso só viria no fim dos anos 30.

Típico trem de subúrbio a vapor da Central. Pessoas penduradas do lado de fora dos carros já era um problema desde o início do século XX.

Mesmo assim, diversas modificações, a cargo do engenheiro André Gustavo Paulo de Frontin foram feitas, como a duplicação e readequação da linha na Serra do Mar, entre Japeri e Barra do Piraí, já prevendo a eletrificação. Para otimizar o tráfego dos trens suburbanos à vapor, ele contou com o uso de um artifício inusitado: construir uma pera ferroviária no meio da plataforma da estação D. Pedro II, a fim de facilitar as manobras dos trens!



Nesse recorte aproximado, é possível ver a área do circular, criado de forma emergencial para otimizar as saídas das composições.

Espetacular imagem mostrando um trem manobrando na pera dentro da estação. Detalhe para o acesso subterrâneo para os passageiros não transitarem na linha.

A descoberta desse caso inusitado se deve a diversas pesquisas historiográficas, em especial por Hugo Caramuru, que disponibilizou algumas fotos de seu acervo no fórum Trilhos do Rio. Conta-se que Paulo de Frontin primeiramente criou uma linha de testes na área do pátio de Marítima, com uma curva apertada, cerca de 60 metros de diâmetro, e depois desses testes com o material rodante, encomendou cerca de 23 locomotivas à firma alemã J. A. Maffei. Essas locomotivas, especialmente adaptadas para fazer essa curva, eram do tipo Prairie, portanto com 2 rodas-guia, 6 rodas motrizes, e mais 2 rodas portantes (2-6-2). Vieram adaptadas para queimar não carvão, mas sim óleo (não aquele óleo comum, mas tipo BPF, óleo grosseiro utilizado para fazer asfalto), provavelmente em virtude da dificuldade em importar carvão. Essa operação continuou até a inauguração da eletrificação, já em 1937, pois os novos trens elétricos já não necessitavam de manobras para inverter o sentido - possuíam cabines em ambas as pontas.

Imagem do catálogo da J. A. Maffei, referente às locomotivas especialmente construídas para a Central do Brasil. Na legenda em alemão, consta a especificação para curvas muito fechadas.

A prairie recém-saída da manobra no contorno.

Prairie da Maffei fazendo trem de subúrbio.

Posteriormente fora construído o novo prédio da estação D. Pedro II, que até hoje impressiona com a imponência de seu desenho e com seu grande relógio, e por conta disso o antigo prédio veio abaixo, acabando com qualquer vestígio da existência do circular além das escassas fotos comprovando seu lugar na história.

Época da construção do novo prédio da estação D. Pedro II, com o prédio antigo coexistindo com o mesmo, em primeiro plano.

Estação de Madureira. Os TUE's (Trens Unidade Elétricos), muito mais eficientes, foram gradualmente substituindo as antigas composições de madeira puxadas por locomotivas a vapor. Essa foto é testemunha do período de coexistência dos dos tipos de trens.







6 comentários:

  1. Parabéns! Bela pesquisa!!

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  2. show cara tava falando com voce sobre a existencia ou nao de uma linha assim outro dia, agora nem sabia que existia uma na D.P II, muito legal, otima postagem parabens

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    1. Pois é, quando descobri esse caso eu também fiquei impressionado! E logo no meio da D.P II! devia ser bem bacana ver os trens passando ali no meio da estação. Obrigado, Euclides!

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  3. meu nome e joao abreu tenho 50 anos toda minha familia de portugueses morava e tinha comercio nos arredores da central do brasil rua general pedra rua doutor ezequiel rua carmo neto em uma das fotos em que aparece uma rua a direita e a rua general pedra onde minha avo morava eu nao peguei mas escutava dizer que havia uma saida -passagem - descida de passageiros na gal pedra se eu nao me engano o trajeto original da central do brasil e ocupado = em toda extensao da PVargas = pelo METRO RJ
    cordiais saudaçoes
    joao abreu

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    1. Olá, caro sr. João Abreu! De fato o traçado próximo à D. Pedro II mudou expressivamente, principalmente com a construção da nova estação, que exigiu a remodelação de toda a linha do entorno. O Metrô pegou sim parte do antigo leito, principalmente próximo à São Diogo. Realmente existiam saídas para a direita, que no caso eram as ligações do ramal para Marítima, mas era dedicado para trens de carga. Se por algum acaso existiu alguma parada para passageiros naquele entorno ali, era de caráter provisório e emergencial. A primeira estação oficial depois da D. P. II sempre foi, desde o século XIX, a da Praça da Bandeira.

      Abraços!

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