sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Áustria, trens e música - Österreich, zug und musik




"Sim, a Áustria é um belo lugar"...

Sempre que vejo alguma foto daquele país, repito a mim mesmo essa frase. Chamado de Österreich na língua germânica, algo como "reino do oeste" em tradução bem literal, para nós, cuja língua descende do latim, se transformou em Áustria. É um país rico em belezas naturais e cultura, tendo sido chamada durante o século XIX de "capital cultural da Europa", tamanha efervescência tanto musical quanto artística em geral reunida naquele país, lar de muitos ícones, como Mozart, Beethoven, Johan Strauss, etc. É de se entender, ao visualizar paisagens como as montanhas dos alpes austríacos salpicadas de neve e campos pontilhados de pequenas cidades com casas tipicamente pitorescas, imersas na imensidão do verde da terra com o azul do céu, que todo o romantismo do ambiente realmente é deveras inspirador.


A chegada do trem naquelas terras completou há pouco tempo 175 anos. Um pouco mais de tempo que aqui. Mas lá atualmente a malha ferroviária é estatal, controlada pela Österreichischen Bundesbahnen (Ferrovias Federais Austríacas), que conta com belos e modernos modelos ferroviários, como é o caso das belíssimas locomotivas Siemens Taurus. Mesmo estatal, há ares dinâmicos na rede ferroviária de lá, famosa pela publicidade em seus trens.

Pintura comemorativa dos 175 anos das ferrovias austríacas.

Como ouvinte de música clássica, me chamara particularmente a atenção duas homenagens da ÖBB - sigla da rede estatal - para com ícones musicais. A primeira ocorrera em 2006, por conta dos 250 anos do nascimento daquele que seria o maior ícone nacional: Wolfgang Amadeus Mozart.

Misto de genialidade e irreverência, Mozart é a personalidade austríaca mais popular.

Caprichadamente "envelopada", essa locomotiva circulou pelo país puxando trens de cargas e passageiros durante aquele ano. Trazia de um lado o rosto do compositor, enquanto que do outro lado estava representada a personagem mais famosa de suas obras: a Rainha da Noite, vilã da ópera "A Flauta Mágica" (Die Zauberflöte).

O outro lado da mesma máquina. Considerada um dos vocais mais difíceis, a Rainha da Noite fora idealizada por Mozart para ser interpretada pela irmã de sua esposa, que era uma talentosa e famosa cantora, cujas habilidades vocais ele muito admirava.

Em 2009, foi a vez de homenagear Joseph Haydn. Ao lado de Mozart e Beethoven, Haydn é um dos compositores mais respeitados da Áustria, sendo considerado o representante do "classicismo vienense". Era irmão de Michael Haydn, também compositor e amigo de Mozart em Salzburg.

2009 fora marcado pelo bicentenário da morte de Haydn.

Este ano, 2013, foi marcado pelo bicentenário de nascimento de dois ícones da ópera: Giuseppe Verdi e Richard Wagner. Verdi, como um amigo meu descrevera, "fora o herói do Scala de Milano, templo máximo do canto operístico", sendo considerado o maior compositor nacionalista italiano. Richard Wagner fora sua contraparte alemã, igualmente importante para o cenário germânico, sendo considerado ao lado de Goethe e os irmãos Grimm um dos heróis da identidade nacional alemã, resgatando-a através de suas obras sobre lendas, cruzados, deuses e anéis. Por conta dessas ilustres figuras, mais uma vez a ÖBB caracterizou uma de suas locomotivas como forma de homenagem:


Acima e abaixo: mesma máquina, mostrando em cada lado um painel artístico representando Verdi e Wagner através de elementos de suas obras.


Interessante observar a presença da marca Roco nas publicidades estampadas. A Roco, centenária empresa fabricante de trens elétricos da Áustria, como era de se esperar de um fabricante europeu, lançou edições especiais de todos os modelos, com todos os caprichos disponíveis para os trens elétricos em escala HO (1:87), como DCC completo com som e música, e carcaça em metal finamente detalhada e pintada. Tudo isso por um preço muito salgado, como era de se esperar de uma edição limitada de um modelo europeu.

Modelo Roco com pintura do Mozart, lançado em 2006.

Modelo Roco com pintura do Haydn, lançado em 2009.

Modelo Roco com pintura Verdi/Wagner, lançado este ano.











quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Os trens de subúrbio no Rio de Janeiro - V

A C.B.T.U. e a Privatização:

Vista da plataforma da estação Deodoro, a segunda maior do sistema.

Em 22 de Fevereiro de 1984, houvera mais uma tentativa de melhor administrar o sistema de trens urbanos do país, criando a Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU. Com isso, os trens da Divisão Especial de Subúrbios foram englobados nela, e assim garantir uma maior uniformidade em todo o sistema. Durante a época da CBTU os avanços para as antigas linhas da Central do Brasil não foram tão enfáticos como nos anos anteriores, o projeto de modernização de equipamentos da via – principalmente a sinalização e as subestações de energia – foram os mais destacados. No ano de 1987 viu-se a retirada dos últimos pioneiros série 100 ainda ativos, depois de cinquenta anos de serviços. Mas isso não significou sua total aposentadoria, pois seus carros reboques foram reaproveitados para os ramais a diesel do fundo da Baía, até Vila Inhomirim e Guapimirim, além do trecho entre Niterói e Visconde de Itaboraí. Alguns série 200 restantes foram modernizados entre 1988 e 1990, e em 1992 foi a vez da reforma de 12 unidades da série 400.
       
O período estatal fora marcado por um grande descaso na manutenção dos trens.

Entre 1994 e 1998 a administração dos trens de subúrbio enfim deixou de ser federal, assumindo o estado com a Flumitrens. Esses quatro anos foram um hiato entre a saída do serviço das mãos do Governo Federal para o setor privado, onde os trens operaram com uma grande falta de apoio. Sem peças sobressalentes, muitos foram baixados para fornecer peças para unidades em melhor estado, diminuindo, por pura inércia do Governo Estadual, o número de trens disponíveis para o transporte de pessoas. Acumulado com a falta de peças de reposição, o regime adotado de serviço 24h desgastou ainda mais as unidades. As unidades mais antigas, ou mais suscetíveis a avarias como os série 800, foram os que mais sofreram nesses últimos anos. Destes, apenas 20 unidades foram reformadas para a série 8000, e tentar suprir falhas estruturais graves de projeto, enquanto os outros foram baixados com pouco mais de 10 anos de serviço. Não há consenso sobre essas baixas serem justas ou desperdício, e isso se tornou fonte de discussão ao longo dos anos, especialmente devido ao desfalque causado pela ausência dos mesmos no serviço como um todo, pois novos trens só viriam anos depois.
       
Padrão de pintura da CBTU num série 800.

Quando o consórcio vencedor da privatização ganhou a administração do sistema em 1º de Novembro de 1998, denominando a nova empresa de Supervia, a situação geral se achava decadente, com boa parte da frota velha e desgastada, assim como a via permanente e a estrutura de diversas estações ao longo dos sete ramais então presentes: Deodoro, Santa Cruz, Japeri, Belford Roxo, Gramacho, além do pequeno ramal de Paracambi e o de Vila Inhomirim, esse último a diesel e em bitola de 1 metro. Posteriormente a bitola de 1,60 foi extendida de Gramacho até a estação de Saracuruna, tornando essa a ponta do ramal, cuja baldeação para os trens da bitola métrica passou a ser feita a partir da mesma. As três estações ao longo deste trecho foram reformadas. No total, 31 estações, deixadas em estado precário ao longo dos anos anteriores, foram reformadas. A situação dos trens continuava um pouco mais complexa, contando ainda com unidades da longínqua série 200 – agora modernizados e remanejados como série 1000 – fazendo parte da frota ativa, assim como exemplares da série 400. Curiosamente esses trens apresentavam menos problemas do que os série 800/8000, que mesmo reformados, foram encostados a maioria, sobrando apenas oito unidades em tráfego normal.

Antigo série 100 em seus últimos dias, servindo como subúrbio nas linhas de bitola métrica, puxado por uma locomotiva a diesel.

Fora firmado um convênio com o Governo Estadual denominado Programa Estadual de Transporte, cuja ideia principal consistia na reforma de 50 trens, incluindo a adoção de ar-condicionado, além de mudanças nas estruturas da via permanente e estações. Mesmo assim, somente em 2006 viriam novas composições, 20 unidades da série 2005 da Rotem, as primeiras unidades já vindas com ar-condicionado de fábrica, representando de certa forma um avanço que, embora não muito significativo frente às demandas, ao menos propunha um novo paradigma: a climatização dos trens, a exemplo dos sistemas adotados no Metrô[1].
       
Típica pintura do padrão da Supervia, concessionária do sistema de transporte suburbano no Rio desde 1998. Estação de Madureira. 

Mesmo assim, os problemas de atrasos, avarias e eventuais acidentes continuaram crônicos, uma vez que os elementos da equação nunca conseguiram ser resolvidos. O crônico descompasso entre a manutenção de trens, a via e a comunicação mantiveram os acidentes e contratempos. Em 2010 a Odebrecht TransPort adquiriu parte das ações do consórcio Supervia, investindo na reforma da via e estações, enquanto a compra do material rodante – novos trens – ficou a cargo do Poder Estadual. Em 2012 houve uma nova aquisição, dessa vez 30 novas composições compradas da CNR, da China, além da construção de um grande elevado na altura de Manguinhos, no ramal de Saracuruna, e a construção de sua nova estação, além da reforma do centro de controle. Infelizmente, devido à falta de composições para atender o sistema, que transporta atualmente uma média de 540 mil passageiros por dia útil, a entrada em serviço dos novos trens não foi o suficiente para fechar o quadro necessário, quanto mais retirar de serviço os velhos trens da série 1000, abrangendo então um parque de tração com um arco de mais de 50 anos de diferença. As notícias da compra de novos trens, totalizando 80 unidades, além da instalação de um novo sistema de sinalização, são indícios da continuidade do ciclo de mudanças necessárias, embora sempre atrasadas, do sistema que é essencial para a dinâmica da sociedade carioca, e ao mesmo tempo sempre sofreu de problemas de administração.

Série 2005, adquiridas em 2006 da Rotem, companhia coreana.


Acima e abaixo: série 3000, lote comprado da China em 2012.



Estação de Deodoro em imagem aérea, mostrando o centro de manutenção em primeiro plano.





[1]  Teoricamente, não existem diferenças entre Trem Urbano e Metrô, pois ambos os nomes classificam composições ferroviárias para transporte de massas. Nesse caso, a diferença fica na designação histórica de cada um, sendo o sistema de Metrô do Rio de Janeiro o projeto de vias subterrâneas inaugurado em 1979, e sua extensão em 1984. Entretanto, o Metrô do Rio foi projetado para uma possível integração com os trens comuns de superfície, mantendo uma série de semelhanças técnicas, dentre as quais uma que é primordial: a bitola de 1,60m.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Os trens de subúrbio no Rio de Janeiro - IV

Pós-guerra, a crise e a consolidação dos trens-unidade elétricos:
       
Série 100 já reformado, nas perigosas curvas próximas à estação Magno, atual Mercadão de Madureira.

No ano de 1948, para cumprir o contrato, a Metropolitan Vickers forneceu mais 30 unidades do modelo de trem fornecido alguns anos antes, porém devido à expansão rápida da eletrificação, ainda não era o suficiente para atender a estrondosa demanda. Nesse mesmo ano estaria eletrificado também o ramal entre Japeri e Paracambi. Em 1950 todo o ramal até Belford Roxo também já estaria eletrificado.
       
Acidente em 1952. Últimos anos da operação com trens a vapor, a década de 50 fora marcada por muitos acidentes.

Durante a década de 50 ocorrera o ápice da crise do transporte público da Central do Brasil. A necessidade de se aumentar o número de passageiros suportados por cada composição fez com que fosse abolida a divisão de classes, nivelando por baixo, uma vez que a 1ª classe comportava menos pessoas. Durante esse período o número de passageiros parou de crescer, não por desistência, mas simplesmente porque era impossível transportar mais gente, uma vez que os carros chegavam a transportar mais de quatro vezes o número máximo de passageiros estipulado no projeto. Esse peso excessivo ocasionava desgaste dos trens mais rápido que o normal, contribuindo para o aumento dos números de acidentes, que se tornaram frequentes e catastróficos ao longo das décadas de 50 e 60. Depredações, e por fim uma crise energética da Light comprometia ainda mais o funcionamento dos trens, enquanto que a diretoria da estrada de ferro tentava de alguma forma conseguir a aquisição de mais trens. Em 1953, a Central dispunha de 18 trens-unidade que só operavam rebocados por locomotivas a diesel, enquanto outros 40 operavam desfalcados de peças e em condições precárias. Tal situação, tão desesperadora, provocou a renuncia da diretoria da companhia.
       
Jornal Última Hora, 10-08-1958. As manchetes não exitavam em publicar com o máximo de alarde o caos do transporte ferroviário. A solução seriam as rodovias, acreditava-se na época.

A nova diretoria chegou com um grande plano de recuperação dos trens já disponíveis, além de melhorias na estrutura dos mesmos a fim de comportarem melhor o peso extra da superlotação, já que seria um problema comum enquanto novos trens não chegassem. Isso de fato só ocorreu em 1954, com a chegada dos trens da série 200. Também eram de projeto da Metropolitan-Cammel, porém a mesma subcontratou companhias brasileiras para fabricarem parte dos mesmos, como a FNV, a Cobrasma e a Santa Matilde. Eram maiores que os série 100, dispunham de quatro portas de cada lado, ao invés de três como nos mais antigos, e atingiam até 90 Km/h. Porém as novas composições anglo-brasileiras cumpriram apenas a função de substituir as baixas dos série 100 em estado irrecuperável, e das composições a vapor que ainda teimavam em resistir, por questão de emergência.
       
Chegada da série 200.

Os trens da série 200 consolidaram o uso de TUEs[1] para o transporte suburbano nas linhas da Central do Brasil. Mas alívio só viria nos anos 60, quando entre 1964 e 1965 chegariam as 60 composições da série 400[2], fabricados no Brasil pela FNV com equipamento elétrico da General Electric. Solucionado de certa forma o problema do material rodante, havia outro fator que comprometia o bom funcionamento do sistema: a sinalização e o controle de tráfego, que já estavam obsoletos, e impediam a circulação de mais composições, impedindo a expansão do serviço. Além disso, as falhas causadas pelo mau funcionamento dos equipamentos e a dependência excessiva do fator humano contribuíam para provocar muitos acidentes, porém mais uma vez a falta de caixa fora a desculpa para arrastar esse problema por anos a fio, até que em 1975 as queixas e tumultos provocados pelos usuários insatisfeitos fizeram com que o então presidente, Ernesto Geisel, intervisse no problema da Central, já abrangida nessa época pela Rêde Ferroviária Federal S.A., criando a Divisão Especial de Subúrbios, como forma de simplificar a resolução dos problemas relacionados aos trens de subúrbio. Enfim fora renovado nessa época todo o sistema de sinalização, e assim dar um novo vigor ao parque de tração. Nos anos 70 ocorreram também uma série de modernizações nas linhas da Leopoldina, na chamada “Linha do Norte”, culminando no alargamento de bitola e sua eletrificação até Duque de Caxias, integrando o sistema de subúrbios. Fora um alívio para os usuários dessa linha, pois a situação estava caótica, com velhos trens tracionados por locomotivas a diesel. Esses não sumiram, mas foram empurrados para as pontas de ramais no fundo da Baía de Guanabara, nos serviços entre Caxias e Magé.
       
Trens das séries 200 e 400.

As propagandas de modernização da frota davam uma esperança de apaziguar os ânimos dos passageiros cada vez mais insatisfeitos.

O ano de 1977 fora marcado pela chegada dos primeiros trens em aço inox, 30 unidades compradas do Japão e fornecidas pela Nippon Sharyo Seizo Kaisha, com os equipamentos elétricos Hitachi. Eram os série 500 que inauguravam sua carreira nas linhas cariocas, servindo de modelo para as propagandas da Rêde sobre seu programa de modernização da frota. No ano seguinte foi a vez da entrada da série 600, fabricada pela Budd/Mafersa, e posteriormente enviados para os subúrbios de São Paulo. Em 1980 ocorreu a aquisição do maior número de trens da história do transporte suburbano carioca: 30 unidades produzidas pela Mafersa, designados série 700; além de 60 unidades fabricadas pela Santa Matilde, os série 800; e mais 50 unidades da Cobrasma/Francocarril, os série 900, totalizando a entrada de 140 novos trens em um único ano, todos em aço inoxidável. Além dessa característica, outra marcante nos trens a partir da série 500 era a do uso de quatro carros por TUE, e não mais três carros, como eram os modelos mais antigos. Assim a capacidade era aumentada significativamente.

A famosa e problemática série 800.

Novo sistema de sinalização recém-instalado.





[1]  Sigla técnica para Trens-Unidade Elétricos, conjunto operacionalmente inseparável de carros motorizados e carros-reboque.
[2]  Na classificação dos TUEs da EFCB no RJ, a série 300 seria a reforma dos série 100 ocorrida em 1945 pela FNV.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Os trens de subúrbio no Rio de Janeiro - III

A eletrificação:


Em 1931, determinou-se a retomada dos estudos sobre a implantação da eletrificação, autorizado pelo chefe do Governo Provisório, Getúlio Vargas, que também autorizou a construção das usinas hidrelétricas necessárias para alimentá-la. O edital de construção da rede elétrica nos subúrbios do Rio abrangia o trecho entre D. Pedro II e Deodoro, e de lá para Japeri e para o ramal de Santa Cruz, e posteriormente a extensão da linha tronco de Japeri até Barra do Piraí. A primeira parte foi vencida pela Metropolitan Vickers em 1933, enquanto que para a segunda parte o resultado não foi conclusivo. Entretanto as obras só começariam, ao menos em ritmo acelerado, no ano de 1936.

Carro motor da série 100, fabricação Metropolitan-Cammel, Inglaterra.

Somente no ano seguinte o primeiro trecho eletrificado começou a de fato operar. Contando com a presença de Getúlio Vargas, então presidente do Brasil, em 10 de Julho de 1937 percorria o primeiro trem-unidade elétrico, entre a antiga estação D. Pedro II, cujo atual e imponente prédio ainda estava em construção, até Madureira. Os novos trens produzidos pela Metropolitan-Cammel, da Inglaterra, em número de 30 e designados na série 100, eram formados por três carros, sendo um de primeira classe, com bancos estofados em couro, enquanto os outros dois eram designados para a segunda classe, com bancos de madeira. Sua capacidade de aceleração e frenagem eram indiscutivelmente superiores aos trens a vapor, além da capacidade de cumprir os horários dos trens suburbanos com uma velocidade máxima de 70 Km/h – embora as linhas, devido as retificações feitas anos antes, assim como as especificações da rede elétrica, permitissem a velocidade de até 100 Km horários.

Um dos pioneiros série 100, em local próximo ao futuro estádio do Maracanã.
       
Mas a situação precária em que se encontrava a Central não seria resolvida com apenas esses poucos trens, que nessa altura de problemas acumulados funcionavam apenas como paliativo. A tarifa, sem reajustes, conseguia apenas amortizar o dinheiro investido nos trens, mas não toda a estrutura levantada para fazê-los operar. Os trens a vapor continuavam circulando, uma vez que os elétricos não eram suficientes, e o pior: estourara a Segunda Guerra Mundial, e a Metropolitan Vickers, necessária para o esforço de guerra britânico, teve de deixar de lado o contrato com a ferrovia brasileira; enquanto isso, uma nova crise de abastecimento de carvão, promovida outra vez pela guerra, mais uma vez deixou a diretoria da estatal temerosa, e número de passageiros aumentou ainda mais, atraídos pelos novos trens, que subiram para 112 milhões em 1943.

Estação de madureira em 1937, ano da inauguração do tráfego dos Trens-Unidade Elétricos. Note que o série 100 divide espaço com trens de subúrbio a vapor, situação comum até os anos 50.


Diante do problema, a firma Prado Uchoa & Cia. Ltda. assumiu o lugar da Metropolitan Vickers, para terminar os trechos não concluídos. Além disso, em 15 de Julho de 1945 mais um ramal entrava para a categoria regular de trens suburbanos: tratava-se do trecho entre a estação Derby Club – atual Maracanã – e Honório Gurgel, que fazia parte da chamada Linha Auxiliar da Central do Brasil, que já operava com pequenos trens de passageiros a vapor, mas de forma bem irregular e em situação muito mais precária que a linha principal. Isso requereu o alargamento de bitola de 1 metro para o padrão 1,60m da linha tronco, assim como a instalação da rede aérea para a alimentação dos novos trens elétricos.

Estação de Mangueira. A escola de samba presta homenagem à mesma, dada sua importância no cotidiano da população.

Inauguração da eletrificação, na estação de Madureira, 1937 - acervo: VFCO.

Série 100 no famoso pontilhão da avenida Francisco Bicalho.






sábado, 3 de agosto de 2013

Os trens de subúrbio no Rio de Janeiro - II

A república e a Central do Brasil:

Uma das Praire encomendadas à Maffei, especialmente para serviços de subúrbio.

Com a Proclamação da República, a estrada de ferro mais uma vez mudou de nome, passando a se chamar pela nomenclatura mais conhecida: Estrada de Ferro Central do Brasil, constituindo o elo entre as três regiões mais importantes da federação – Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Infelizmente, mesmo sendo a ferrovia mais importante do país – seja por abrangência, seja pelo viés político –, o caráter estatal da companhia sempre lhe foi desfavorável, por torná-la pouco dinâmica em relação a outras estradas de ferro, em especial a Companhia Paulista. O reflexo disso era visível na morosidade de compra de novos equipamentos, além da falta de adequada manutenção, tanto do material rodante, quanto das próprias linhas. Problemas como atrasos, avarias, acidentes já eram comuns no início do século XX, assim como o tráfego de composições que, abarrotadas de pessoas, as transportava penduradas nas janelas e portas dos carros de passageiros. Um tremendo risco que, não raras vezes, ocasionava muitas fatalidades.

Aspecto da linha na virada do século. Detalhe para a passagem em elevado para os bondes - créditos na foto.

Mesmo que problemático, o serviço suburbano oferecido pela Central do Brasil já era um modelo definido, posto em pauta e, no momento, o único do tipo, comparado a todas as outras ferrovias do país. Ademais, o corpo técnico da ferrovia federal era de primeira linha, e tentava-se, na medida do possível para os parâmetros de uma estatal, resolver essas questões impertinentes oriundas do descompasso entre a demanda crescente e as melhorias exigidas para suprir essas tais. De fato, a questão da movimentação de pessoas tinha tal destaque no leque de serviços da estrada de ferro que já era almejado o uso de eletricidade – última palavra em questão de economia de combustível na época, ainda mais para um país cujas poucas reservas de carvão, além de localizadas e longínquas, não era de boa qualidade, o que obrigava as ferrovias a se utilizarem de lenha, com pouco rendimento, ou comprarem carvão importado, o que era caro e suscetível às instabilidades do comércio internacional. E este último era o caso da Central do Brasil.

Pátio da estação de Deodoro. As linhas à esquerda, em curva, são do ramal de Mangaratiba, que atualmente vai apenas a Santa Cruz. As linhas à direita vão para Japeri.

Essa questão já fora levantada em 1904, pelo então diretor da companhia, depois de viagens à Europa e aos Estados Unidos, onde estivera diante da eficiência da eletricidade para a alimentação dos trens de passageiros de subúrbio, que já naquele ano a Central do Brasil marcava números na ordem de 15 milhões de pessoas transportadas em suas linhas, tudo isso através de composições antiquadas para o serviço, com carros em madeira com pequenas portas e apenas nas extremidades, puxadas por máquinas a vapor, muitas já antigas, ainda da época do Império. Entretanto, a iniciativa para tal empreendimento foi marcada por inúmeras propostas sem consenso, que aliadas à falta de caixa e o alto preço da construção da infraestrutura necessária para o tráfego de trens elétricos, além da burocracia inerente aos projetos públicos, fez com que a mesma fosse adiada por longos anos, até a década de 1930.

Estação Silva Freire, em seu início.

Com ou sem eletrificação, era necessário sanar os problemas que a estrada de ferro padecia, e enquanto os trens movidos a eletricidade ainda eram sonho distante, havia de se fazer obras a fim de amenizar a situação das então composições a vapor. Na gestão do engenheiro André Gustavo Paulo de Frontin, a partir de 1906, está boa parte dessas obras de retificação das linhas da Central. Um dos problemas era o tempo gasto com as manobras dos trens, que ao chegarem a seu ponto final, deviam ter seu sentido invertido para retornarem. Isso em condições normais era um processo trabalhoso e demorado, que exigia o uso de locomotivas adicionais para fazê-lo, o que piorava a situação. A solução adotada por Paulo de Frontin fora a construção de peras ferroviárias nos pontos finais das linhas, assim o trem apenas contornava esse pequeno trecho semicircular e já estaria pronto para retornar, sem manobras e desengates de composição. Essas vias de retorno eram conhecidas como circulares, e foram construídas próximo às estações de Bangu, Madureira, e Santa Cruz, além de uma por dentro da própria estação D. Pedro II[1]. Essa configuração também fora adotada pela Estrada de Ferro Leopoldina para seu serviço de trens suburbanos, nas localidades de Penha e Duque de Caxias.

Dr. André Gustavo Paulo de Frontin.

O túnel 12, e seu "gêmeo", chamado 12-bis, este construído pelo projeto de Paulo de Frontin. Idealizados para futuramente receberem a rede aérea para trens elétricos, foram construídos com uma altura relativamente boa. Mal saberia Frontin que um século depois, por conta de sua ideia, podem-se trafegar trens puxados pelas enormes locomotivas modernas, sem ter precisado de alterações de gabarito nos túneis. - créditos da foto: Máfia do CTC.

Outras obras consistiram na remodelação do traçado das vias, além da duplicação do trecho da Serra do Mar entre Japeri e Barra do Piraí, a fim de dar conta do tráfego cada vez maior na linha, devido ao gradual crescimento da exploração de minério em Minas Gerais, e incluiu o alargamento e duplicação dos numerosos túneis, inclusive o de número 12, o maior de toda a estrada de ferro, cuja nova abertura foi finalizada em 11 meses e meio, contra os sete anos da mais antiga. Todas essas já foram idealizadas com o objetivo de futuramente receber eletrificação, mostrando que embora postergada, a implantação da mesma era certa. Houve também aquisição de novo material rodante, como um lote de cerca de 16 locomotivas encomendadas à firma alemã J. A. Maffei, destinadas especificamente para o serviço de trens suburbanos, projetadas para o tráfego nas linhas circulares e já configuradas para a queima de óleo combustível, ao invés de carvão – tendência que seria adotada por outras ferrovias tempos depois. Também houvera investimentos em novos serviços de sinalização, como a construção de novas cabines e reforma do sistema de desvios e semáforos para as vias de manobra.

Outra ação de Paulo de Frontin foi a instalação de nova sinalização nas linhas da Central do Brasil, para comportar o crescente aumento de trens.

Em Agosto de 1909, atendendo a uma mensagem do presidente Nilo Peçanha, a Câmara dos Deputados chegou a aprovar uma concorrência pública para a eletrificação da mesma, mas fora arquivada meses mais tarde pelo Congresso. Em 1912, um novo apelo foi feito, pelo próprio Paulo de Frontin, mas a questão continuara num impasse. A Primeira Guerra Mundial ainda piorou as coisas, uma vez que a mesma afetara os países fornecedores da matéria prima, o que gerou uma enorme crise para a Central do Brasil. Enquanto isso a demanda só aumentava, e em 1917 o número de passageiros já era calculado em 28 milhões, quase o dobro de 1904, época das primeiras ideias acerca do uso da eletricidade. Somente no ano seguinte sairia um projeto mais articulado, resultado das crises e da degradação progressiva dos trens, cada vez mais abarrotados de passageiros vindos dos subúrbios cada vez mais povoados. Em 1919 seria promulgada a lei de nº 3674, autorizando efetivamente os estudos necessários para as obras, e em 1921 a Central receberia as primeiras propostas de candidatos da licitação, sendo quatro as participantes: English Electric e Metropolitan Vickers, ambas da Inglaterra; General Electric, dos Estados Unidos, e Monlevade & Cia., consórcio brasileiro envolvido com o projeto de eletrificação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que já estava sendo posto em prática no interior paulista. A vencedora fora a General Electric, mas problemas políticos postergaram mais uma vez o curso do projeto.

Linhas em São Cristóvão.

Washington Luiz anulou em 1927 a malfadada concorrência, e em 1929 fora aberta outra licitação. Enquanto isso o número de passageiros transportados anualmente já apresentavam uma média de 47 milhões, que sofriam cada vez mais com o serviço, cuja verba da Central era incapaz de suprir a manutenção dos velhos e lentos trens a vapor com carros de madeira[2]. As alternativas da população eram as precárias mas já presentes linhas de ônibus, ou os bondes, que exigiam inúmeras baldeações. Em meados da década de 1930 o número subiu ainda mais, chegando a 80 milhões de passageiros por ano. As composições, algumas já com média de 40 anos de idade, sofriam cada vez mais com o excesso de pingentes, que já não hesitavam nem mesmo em andar pendurados nas próprias locomotivas.

O início do crônico problema de superlotação dos trens - créditos na foto.





[1]  A linha circular dentro da Estação D. Pedro II fora construída em caráter quase emergencial, para desafogar o intenso tráfego de trens de subúrbio. Consistia numa curva de 180°, com cerca de 60 metros de diâmetro, que atravessava o saguão do prédio antigo da estação, passando em nível à frente das plataformas. Nos horários de intenso movimento, os passageiros se utilizavam de um acesso que lhes permitia atravessar a linha em segurança por debaixo da mesma.

[2] Até 1928 toda a frota de carros ferroviários de passageiros era em madeira, até a aquisição de 22 carros em aço carbono da American Car and Foundry Co. pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro, sendo os primeiros carros em aço da América do Sul. Em 1929 foi a vez da Viação Férrea Rio Grande do Sul e da Central do Brasil adquirirem os seus, sendo esta última a compradora de 15 unidades para compor o noturno de luxo entre o Rio de Janeiro e São Paulo, conhecido como o Cruzeiro do Sul.